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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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quando aplicado, divulgado, transformado em objeto técnico e em mercadoria. A <strong>tecnociência</strong><br />

precisa funcionar de forma externa, estranha, “superior” à sociedade; precisa defender tal<br />

funcionamento demarcando distâncias, mostrando especificidades, reivindicando linguagens e<br />

territórios específicos imunes à subjetividade, aos valores, às crenças e às ideologias 316 .<br />

De outro lado, no entanto, a <strong>tecnociência</strong> só consegue funcionar a partir de uma<br />

constelação reticular de processos. É um dispositivo de geometria variável fundado em fluxos<br />

multidirecionais, cibernéticos, nos quais não somente o saber científico mas as relações de<br />

poder e a constituição dos sujeitos têm um papel importante. A <strong>tecnociência</strong> funciona através<br />

de uma rede capilar contendo pontos de escutas, transdutores, interfaces em todos os níveis e<br />

os espaços da vida individual e social. <strong>As</strong> burocracias, as polícias, os hospitais, os<br />

supermercados, os movimentos políticos e assim por diante: todos funcionam com base num<br />

saber-poder especialista, de tipo tecnocientífico, e por meio do monitoramento, do registro, da<br />

escuta de movimentos, de fluxos, de dados codificando atitudes, opiniões, interesses, desejos,<br />

demandas e ofertas.<br />

No discurso da <strong>tecnociência</strong> são importantes, ao mesmo tempo, as poderosas histórias<br />

sobre o fogo e a luz do conhecimento – que poucos alcançam, que poucos descobrem e cuja<br />

verdade independe da vontade e das crenças humanas – e um discurso de participação,<br />

transparência, constituição de saberes de baixo para cima.<br />

Fluxo, modulação, moldagem auto-deformante fazem parte do funcionamento e da<br />

estratégia da <strong>tecnociência</strong>. Na governamentalidade neoliberal, a <strong>tecnociência</strong> deve educar,<br />

formar, divulgar (“top-down”), para ser conhecida, compreendida, aceita, apreciada. Ao<br />

mesmo tempo, deve negociar, cooptar, recrutar, incluir (“bottom-up” e feedback). Não se trata<br />

somente de retórica (embora a demagogia esteja na base, especialmente nos países centrais, de<br />

muitas iniciativas políticas atuais voltadas para a “participação” e o “engajamento”). Trata-se<br />

de uma exigência imanente à <strong>tecnociência</strong> da atualidade e à qual instituições e policy-makers<br />

tentam responder.<br />

Aquele conhecimento científico puro, neutral, independente da sociedade, acessível a<br />

poucos, aliado com uma técnica poderosa e gerido por uma tecnocracia pouco influenciada<br />

316 O tecnocientista (especialmente, o cientista) retratado como mediador das forças da imanência, transcritor das “Leis<br />

da natureza”, aparece tanto em parte da representação fabulística e midiática da <strong>tecnociência</strong> como dotado de algumas<br />

das conotações e dos ícones do trickster. O cientista pode ser maluco e poderoso, distraído ou maligno, atrapalhado e<br />

emotivo ou frio e eficiente como um computador. Suas ambigüidades e duplicidades se parecem com as de muitos<br />

tricksters…<br />

317

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