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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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universais, a uma determinação única e necessária (como um mecanismo econômico, uma<br />

estrutura antropológica, um processo demográfico).<br />

Embora a relação do pensamento de Foucault com a causa, a racionalidade, a verdade,<br />

a história, seja uma relação de problematização (e embora o problema de como entender a<br />

agência humana e que sentido dar à liberdade seja um problema no pensamento foucaultiano<br />

como em geral para a filosofia e as ciências), Foucault não está pensando, quando fala de<br />

acontecimento, numa visão simplista em que o acaso é que molda a história. Está dizendo algo<br />

mais sutil e mais fecundo, que pode ser usado como instrumento para se pensar o<br />

entrelaçamento tecnocientífico da atualidade e para reinterpretar os efeitos de inexorabilidade<br />

da <strong>tecnociência</strong>. O acontecimento não é uma fatalidade. A <strong>tecnociência</strong>, como ela é, não é um<br />

destino. Sua inexorabilidade é, na verdade, a construção incessante, e nunca perfeita, de uma<br />

implacabilidade política.<br />

O acontecimento é algo que, no momento em que irrompe na cena, não era esperado,<br />

convidado, pensado. Mas, que, a partir daí, contribui para criar novas inteligibilidades, novas<br />

visibilidades, novas enunciações 132 . A <strong>tecnociência</strong>, uma vez instituída, cristalizada em sua<br />

forma/acontecimento atual (Rabinow, 1999: p. 174-180), torna possíveis uma série de<br />

desencadeamentos produtivos, técnicos, de saber e poder e torna-se inercialmente poderosa,<br />

difícil de se mudar, também graças a seus efeitos universalizantes, objetivantes,<br />

despolitizadores.<br />

Olhar para a <strong>tecnociência</strong> como se olha um acontecimento significa remeter à<br />

multiplicidade, à ruptura, ao inesperado e impensado, mas não significa dizer que a mudança<br />

histórica é inexplicável e irracional. Significa dispor de uma arma conceitual para tirar da<br />

<strong>tecnociência</strong> a aura de inevitabilidade estrutural, de inexorabilidade histórica, de verdade<br />

necessária e torná-la analisável e explicável como prática e construção humana. Enxergar na<br />

<strong>tecnociência</strong> um dos tantos possíveis entrelaçamentos entre verdade, poder e governo não<br />

significa negar que ela seja moldada por fatores sociais e forças econômicas. Ao contrário,<br />

132 Especialmente nas últimas obras de Foucault, o acontecimento parece ser visto como a possibilidade da irrupção da<br />

liberdade, o “buscar de novos ímpetos”. Acontecimento se liga assim ao sentido que o filósofo da à ética e àquela que<br />

chama de “estética da existência”: o lugar para a ação do sujeito, para a resistência. Para Cardoso (1995), isso se liga à<br />

atitude de Foucault sobre “crítica”: a crítica ao que somos é ao mesmo tempo uma “análise histórica dos limites que se<br />

nos impõem e um experimento que torna possível ultrapassá-los” (Cardoso, 1995: p. 55 segs). Estudar o acontecimento,<br />

para Foucault, significa então um trabalho paciente sobre nossos limites, na direção de uma “transgressão possível”.<br />

Significa a projeção de um campo de possibilidades. Voltarei sobre este aspecto específico na parte conclusiva deste<br />

trabalho.<br />

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