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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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democrático por excelência. Todos podem participar, questionar, duvidar, testar, falsificar. No<br />

entanto, a ciência também é um conjunto que se constituiu, especialmente a partir do final do<br />

século XIX, como um templo, reverenciado e inalcançável aos demais. Todos têm acesso, mas<br />

pouquíssimos entendem e, conseqüentemente, podem opinar. A ciência é, ao mesmo tempo,<br />

de todos e para poucos eleitos. Em seu auto-retrato, ela mostra-se como conjunto de saberes<br />

não revelado, não autoritário, não iniciatório e, sim, universal, comunicado, coletivizado. Ao<br />

mesmo tempo, no interior do dispositivo tecnocientífico, ela é caracterizada por uma espécie<br />

de exclusividade (implícita ou explícita) do sujeito falante. Todos em princípio podem e<br />

devem escutar e entender, mas apenas alguns são legitimados a contribuir no debate: os<br />

especialistas, sejam eles “hard” (físicos nucleares, biólogos moleculares...) ou “soft”<br />

(bioeticistas, teólogos...). A ciência, vista pelos cientistas, é diferente da arte, da alquimia, da<br />

religião, porque nela, em princípio, ninguém deve confiar no ipse dixit das autoridades. Para<br />

ter acesso à “Igreja Ciência”, ninguém precisa – de acordo com a narração oficial – de fé, de<br />

suspender seu juízo, de aceitar verdades como sendo dadas e inquestionáveis. Ninguém deve<br />

passar por processos iniciatórios. Todos, em princípio, podem entender e participar de seu<br />

processo de questionamento, ter acesso a dados, teorias, modelos e questioná-los, testá-los,<br />

falsificá-los.<br />

Essa imagem da ciência como espaço aberto, público e neutral graças à escolha<br />

explícita de expelir de seu âmbito de investigação a política e a religião remonta aos anos de<br />

instauração da ciência empirista e da construção de seu mito de fundação. Em sua History of<br />

the Royal Society, Thomas Sprat (1667) lembrava que o manifesto da Sociedade exigia<br />

eliminar todas as ambigüidades e obscuridades da linguagem dos alquimistas, bem como<br />

desistir de toda a extravagância, da dificuldade da linguagem dos filósofos escolásticos<br />

medievais e dos filósofos naturais renascentistas. Aos membros da Royal Society, aos homens<br />

de ciência, dizia Sprat, era requerido rejeitar todos os exageros, as digressões, o estilo prolixo<br />

para voltar à pureza primitiva e à brevidade de quando os homens conseguiam transmitir quase<br />

bind: foi incentivada a ser exploradora mas, ao mesmo tempo, sabe que fez algo “errado”. Outro exemplo típico de<br />

double bind há em muitas piadas tradicionais judaicas sobre a figura materna. Uma mãe leva duas gravatas para o filho<br />

como presente de aniversário. Uma azul, outra vermelha. Na primeira ocasião de almoçar juntos, o filho decide pôr a<br />

gravata presenteada pela mãe. Escolhe um terno bonito, que fica perfeito com a gravata azul. Mas, logo que ela se<br />

depara com o filho, exclama abalada: “Eu sabia! Você não gostou nada da gravata vermelha que sua mãe escolheu...”.<br />

Em situações em que formalmente todos poderiam e deveriam falar, mas, implicitamente, está claro que existe uma<br />

autoridade “inviolável”, há double bind. “Seja espontâneo”, a típica exortação feita nestes contextos, configura um<br />

evidente paradoxo, semântico e psicológico.<br />

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