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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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dotado de leis próprias. Ela não pode ser obrigada a fazer nada que seja contra estas leis.<br />

Mesmo assim, o homem pode regular, prever e enfim dominar a natureza desde que – graças à<br />

artificialidade dos fatos construídos e controlados no laboratório – consiga conectar-se à<br />

imanência das leis naturais, entendê-las, calcular e organizar sua ação e manipulação de<br />

maneira conforme. Analogamente, a racionalidade governamental liberal vê, em certa medida,<br />

a prática de governo não como dada, nem como conseqüência direta e única da moral ou do<br />

direito mas, sim, como uma prática “de laboratório”, “experimental”, “técnica”. Para Foucault,<br />

no liberalismo – e, mais ainda, no <strong>neoliberalismo</strong> (Foucault, 2004, NB), – a prática de governo<br />

é julgada, regulada e auto-limitada não somente em função de ser “justa” ou “injusta” de<br />

acordo com princípios transcendentes, mas também em função de estar “certa” ou “errada”,<br />

“verdadeira” ou “falsa” de acordo com os resultados concretos que ela obtém na imanência do<br />

campo econômico e na gestão da população.<br />

O segundo aspecto que torna a governamentalidade um conceito importante é que ela<br />

introduz a idéia de que governar significa menos determinar o comportamento dos indivíduos<br />

(por meio de um sistema de castigos, de coerção, repressão) e mais regular (por meio da<br />

biopolítica e dos dispositivos de segurança) fenômenos ligados à vida e ao funcionamento da<br />

população. Além da questão da imanência e do cálculo, entra em jogo o fato de que tal cálculo<br />

irá lidar com aleatoriedade, riscos e probabilidades. Além de “cibernético”, o governo é<br />

estatístico, “termodinâmico”, no sentido que lida com variáveis de estado coletivas,<br />

macroscópicas (taxas de criminalidade, natalidade, morbidade, mortalidade, taxas de juros,<br />

desemprego, inflação) oriundas da interação complexa entre muitos agentes.<br />

Em terceiro lugar, a governamentalidade (e também, como veremos, a idéia deleuziana<br />

de sociedade de controle) implica que o governo, além de se autolimitar em função dos<br />

processos que deve gerir, terá consciência de que limitado também é seu efeito. Governar bem<br />

significa conseguir modular campos de probabilidade, regular fluxos (de pessoas, dinheiro,<br />

mercadoria, informação) e acessos para fazer com que aumentem ou diminuam parâmetros<br />

ligados à inflação, epidemias, criminalidade, empregos, produtividade e assim por diante,<br />

sabendo que nenhuma de tais questões pode ser eliminada ou resolvida uma vez por todas. A<br />

governamentalidade contemporânea, além de “cibernética” e “termodinâmica”, é uma<br />

racionalidade “ecológica” (no sentido de que lida com ecossistemas complexos, reticulares,<br />

em que fenômenos emergem dinamicamente em resposta a uma multiplicidade de fatores). É<br />

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