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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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outra face da dipolaridade que serve para legitimar a ciência: a pesquisa com células-tronco<br />

deve ser liberada porque é “fato” que o ser humano não começa na fecundação e, sobretudo,<br />

porque a curiosidade dos cientistas não é sem escopo, mas mirada a aplicações destinadas a<br />

“salvar milhões de vidas” 183 .<br />

3.8 Pérolas aos porcos: a comunicação como valor<br />

Como mostrado acima, o regime de verdade da ciência moderna se baseia, entre outras coisas,<br />

na centralidade da comunicação. Ao menos em princípio, resultados, dados, fatos<br />

experimentais devem ser acessíveis a todos, por todos testemunháveis, para que uma<br />

afirmação ou teoria sobre fenômenos naturais seja considerada científica.<br />

Seja por meio de epistolários ou conferências públicas, de livros ou revistas, de<br />

museus, coleções, tábuas anatômicas, seja, hoje em dia, por meio de listas de discussão e open<br />

archives, congressos, workshops e networks, a ciência, em cada uma de suas fases, sempre foi<br />

ligada a formas variadas de difusão, arquivamento, discussão da informação e do<br />

conhecimento. Segundo Paolo Rossi, a ciência nasce quando a comunicação do conhecimento<br />

– que era considerada negativa no âmbito dos saberes herméticos e alquímicos – se transforma<br />

num valor:<br />

A comunicação e a difusão do saber, e também a discussão pública das teorias (que,<br />

para nós, são práticas comuns) não foram sempre percebidas como valores. Pelo<br />

contrário: elas se tornaram valores. À comunicação como valor sempre se contrapôs –<br />

desde as origens do pensamento europeu – uma imagem diferente do saber: como<br />

iniciação, como um patrimônio que somente poucos podem alcançar (Rossi, 2000:<br />

p.18; trad. minha).<br />

183 Obviamente, não estou defendendo a proibição da experimentação com células-tronco, nem a proibição de cultivos<br />

transgênicos comerciais. Menos ainda, estou afirmando que a liberdade de investigação não deva ser preservada. Estou<br />

me limitando a evidenciar letimotifs e argumentações que fazem com que elementos centrais da <strong>tecnociência</strong> (bem<br />

como seus processos, produtos, osmoses sociais) acabem sendo despolitizados, “purificados” e transmutados em<br />

questões “científicas”, ou “técnicas”. A questão da regulamentação da biotecnologia não pode ser encarada como uma<br />

questão científica, se a ciência é aquela pensada por Boyle e os fundadores da Royal Society. Tampouco é uma questão<br />

técnica. É um problema político, econômico e moral. Não é com base na ciência que podemos decidir se é justo que<br />

uma planta seja patenteada. É com base na escolha política de quem se quer, socialmente, que lucre (e de que maneira)<br />

a partir do uso ou da produção daquela planta.<br />

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