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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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governar: surgira a economia política. Ao longo do século XVIII, a urbanização e a circulação<br />

das mercadorias trazem ao palco a população, cuja dinâmica não é redutível àquela do<br />

indivíduo ou da família. O estudo dos números de mortes, nascimentos, enfermidades,<br />

finanças, soldados revelara-se, já no estado de soberania, instrumento chave para o governo.<br />

Aos poucos, tais números (a “estatística”, isto é, os números do Estado) mostraram que a<br />

população tem regularidades e características próprias e produz efeitos econômicos<br />

específicos. O objetivo do governo não pode ser somente a gestão dos indivíduos. Os<br />

instrumentos para governar devem ser ancorados às características intrínsecas, específicas da<br />

população.<br />

Trata-se, portanto, de governar por meio de campanhas através das quais não se<br />

controla ou molda diretamente o indivíduo, mas se age sobre as dinâmicas da população,<br />

regulando a taxa de natalidade, os empregos, as migrações, a criminalidade e assim por<br />

diante 117 .<br />

É este tipo específico de arte de governar que Foucault chama de governamentalidade:<br />

um conjunto de “táticas” – e de instituições, procedimentos, análises, cálculos – que surge a<br />

partir dos séculos XVIII e XIX e que permite exercer um tipo de poder que tem por alvo a<br />

população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos<br />

essenciais os dispositivos de segurança. A governamentalidade, entre outras coisas, define “a<br />

cada instante o que deve ou não competir ao Estado, o que é público ou privado, o que é<br />

ou não estatal” (Foucault, MP: p. 291-293, grifos meus).<br />

Ser governado não significa, em suma, se tornar objeto passivo de uma determinação<br />

física. O governo funciona conduzindo os indivíduos a agir de certa maneira não somente por<br />

meio da violência e da repressão: governar pressupõe e requer a atividade e a liberdade do<br />

governado (Burchell, 1991: p. 119 segs). Como ressaltava Paul Veyne, há um problema de<br />

subjetividade na política (apud Burchell, ibidem): que tipo de subjetividade está envolvida<br />

quando os indivíduos efetuam obedientes as tarefas que lhes são dadas, quando se comportam<br />

nas maneiras prescritas? Que tipo de razões os governos podem oferecer para que os<br />

indivíduos façam o que lhes é dito para fazer? A constituição de si, as técnicas por meio das<br />

117 Ian Hacking (1991: p. 188) enfatiza como, no século XIX, junto com o surgimento da estatística moderna, muitos<br />

estatísticos e reformadores sociais pensavam que se poderia reorganizar as “condições de contorno” sob as quais a<br />

população era governada: mudar parâmetros de forma que as próprias leis sob as quais a população se evolve fossem<br />

moduladas.<br />

114

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