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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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que queriam fazer da ciência sua profissão, não apenas um hobby – faltava um nome. Sob<br />

conselho do poeta Samuel Coleridge, encomendou a tarefa a William Whewell, que, em 1833,<br />

inventou “scientist” 189 .<br />

O termo era perfeito para certificar o surgimento de uma nova classe profissional,<br />

entrou rapidamente nos vocabulários e no uso comum. Porém, causou uma polêmica fervente,<br />

sintoma de que a transição social para a ciência assalariada não era simples, nem indolor 190 .<br />

O surgimento da BAAS e sua decisão de cunhar uma nova palavra estavam ligados à<br />

necessidade estratégica, percebida pelos homens de ciência europeus, de reivindicar uma<br />

posição visível e um papel na sociedade da época. Os que estavam engajados com as ciências,<br />

explica Knight (1998), se esforçavam por tornar o mundo consciente do trabalho deles e de<br />

suas implicações. Escreviam sobre isso em revistas, falavam sobre isso em encontros públicos.<br />

A divulgação, em suma, ontem como hoje, não servia apenas para universalizar o<br />

conhecimento, mas também para fazer propaganda.<br />

Na Royal Institution, que tinha por missão tanto a de fazer pesquisa quanto a de<br />

divulgar (para os ricos como para os operários), dois cientistas geniais se dedicaram<br />

ativamente à popularização da ciência: Sir Humphry Davy e, mais tarde, Michael Faraday, seu<br />

brilhante aluno. O jovem Davy, que também foi um dos primeiros cientistas ingleses<br />

assalariados pelo Estado, conseguiu atrair imensas multidões, pagantes, para assistir suas<br />

exibições sobre química que eram tão atraentes, para os ricos, quanto o teatro ou os concertos<br />

(Knight, 1986) 191 . É difícil imaginar o entusiasmo que geravam suas aulas. Literatos famosos e<br />

damas da alta sociedade faziam fila para ver o químico se exibir.<br />

189 Pouco conhecido hoje, William Whewell foi figura de primeiro plano na ciência e na filosofia inglesa do século<br />

XIX. Talentoso, famoso por sua erudição extraordinária, Whewell tinha uma cátedra de mineralogia e outra de filosofia<br />

moral. Escreveu trabalhos de astronomia, geologia, mecânica, economia política, arquitetura, poesia e teologia (sendo<br />

também pastor e autor de sermões célebres). Considerado por alguns “o primeiro filósofo da ciência” (por seus grandes<br />

trabalhos: History of the Inductive Sciences, de 1837, e Philosophy of the Inductive Sciences, de 1840), Whewell teve<br />

um papel importante na reforma da educação científica na Inglaterra. Seu pensamento influenciou cientistas do calibre<br />

do Darwin, Herschel, Lyell. Michael Faraday pediu sua ajuda científica e filosófica. Whewell inventou para ele as<br />

palavras “ânodo”, “cátodo” e “íon”. Também criou o nome inglês para a profissão do Faraday: physicist. Em geologia,<br />

batizou as eras “mioceno” e “eoceno”.<br />

190 Cientistas e intelectuais debateram longamente se o termo era feio, apropriado, necessário ou até moralmente digno.<br />

Thomas Huxley, revoltado, comentou: “Acho que todos os que respeitam a língua inglesa devem achar a palavra<br />

scientist tão agradável quanto electrocution”. Herbert G. Wells, ainda em 1895, se oponha ao uso da palavra cientista,<br />

preferindo “homem de ciência” ou “filósofo natural”.<br />

191 De acordo com a própria Royal Institution, por causa das conferências científicas de Davy foi inventado o primeiro<br />

plano de gestão do trânsito: “as aulas de Davy eram tão populares […] que as pessoas chegando com suas carruagens<br />

tornavam Albemarle Street repleta ao ponto que se tornou indispensável transformá-la na primeira rua de sentido único<br />

de Londres”. (Em: Royal Institution. http://www.rigb.org/rimain/heritage/index.jsp. Acesso em março de 2008; trad.<br />

minha).<br />

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