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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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foucaultianas – e como aconteceu na arquitetura da Igreja de S. Clemente – não se dá como<br />

ruptura repentina, totalizante, capaz de anular discursos e estruturas precedentes, tornando-se<br />

incomensurável a estes. O que acontece é que há uma série de edifícios complexos nos quais a<br />

mutação afeta as técnicas, que vão aperfeiçoando-se ou complicando-se. O que vai mudar é,<br />

sobretudo, a dominante ou, mais exatamente, “o sistema de correlação entre os mecanismos<br />

jurídico-legais, disciplinares e de segurança” (Ibidem).<br />

Como conseqüência, para compreender o que Foucault entende por biopolítica,<br />

governamentalidade, segurança, é preciso acompanhar o mapa das transformações e a gênese<br />

do Estado moderno que ele reconstrói a partir das sociedades de soberania da Antigüidade e da<br />

Idade Média.<br />

Soberania<br />

Em Sécurité, territoire, population, Foucault (2006b, STP) 112 analisa em profundidade a crise<br />

e a transformação do regime que ele chama de “soberania”. É uma economia de poder em que<br />

o papel principal do príncipe é o de governar para um “bem comum” 113 . E o bem comum se<br />

identifica, substancialmente, na obediência de todos à lei, tanto terrena como divina.<br />

Neste tipo de organização, o poder do soberano, que é pensado como substancialmente<br />

ilimitado, atua principalmente de forma subtrativa: é um direito, baseado na espada, no poder<br />

de cortar, tirar, eliminar. O soberano tem o direito de excluir indivíduos do circuito social, de<br />

tirar sua vida, sua liberdade ou seus bens. Trata-se, continua Foucault, de uma economia de<br />

poder baseada em técnicas de dominação, em que o castigo deve ser manifesto, às vezes<br />

baseado em suplícios espetaculares, para mostrar em todo seu esplendor a potência do<br />

soberano.<br />

No entanto, a partir do século XVI, este tipo de racionalidade governamental, junto<br />

com a desestruturação da territorialidade de tipo feudal, entra em crise. A crescente circulação<br />

de mercadorias e de pessoas típica do mercantilismo, a importância dos núcleos urbanos, as<br />

112 Em geral, os trechos que citarei de Sécurité, territoire, population são traduções minhas a partir da edição em<br />

espanhol do texto (Foucault, 2006b). Entretanto, uma parte deste texto, a aula sobre governamentalidade, encontra-se<br />

também na edição brasileira de Microfísica do Poder (Foucault, 2006, MP), a qual utilizarei quando for citar trechos<br />

desta parte do curso.<br />

113 “Certamente”, escreve Foucault, “nos textos filosóficos e jurídicos a soberania nunca foi apresentada como um<br />

direito puro e simples. Nunca foi dito nem pelos juristas nem a fortiori pelos teólogos que o soberano legítimo teria<br />

razões para exercer o poder. Para ser um bom soberano, é preciso que se tenha uma finalidade: ‘o bem comum e a<br />

salvação de todos’”. (Foucault, 2006, MP: p. 283.)<br />

110

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