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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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Uma vez que o dispositivo é constituído, uma vez que acontece, ele “continua sendo<br />

dispositivo”, isto é, funciona de forma relativamente independente e autônoma.<br />

A <strong>tecnociência</strong> é feita por nós, mas, em certo sentido, nos ultrapassa. Possui uma<br />

inércia, uma rigidez, uma série de antídotos contra a mudança, contra o desvio e a subversão<br />

que a fazem se parecer com um fator causal na trajetórias dos indivíduos, em vez que o<br />

contrário. Funciona em muitas situações como um meta-dispositivo: um conjunto heterogêneo,<br />

de instituições, práticas discursivas, saberes, relações de poder, regulamentos, ethos, capaz de<br />

funcionar como “máquina de governo” e como máquina “de fazer ver e fazer falar” (veja cap.<br />

2), modulando e pautando o funcionamento de outros dispositivos de poder da atualidade.<br />

Os saberes especialistas da <strong>tecnociência</strong> servem para legitimar regulamentações<br />

internacionais, formular leis, emitir sentenças jurídicas. A definição do crime e o castigo dos<br />

criminosos, a diagnose dos loucos e sua cura, o futuro climático da Terra e as medidas<br />

políticas para geri-lo, o crescimento econômico, como amplificá-lo ou como torná-lo<br />

“sustentável”: tudo isso abrange um conjunto de visões, saberes, normas, racionalidades em<br />

que a <strong>tecnociência</strong> tem um papel central.<br />

O regime de veridicção inventado com a ciência moderna (baseado na medição<br />

quantitativa, na observação controlada, na manipulação e construção de fatos experimentais,<br />

na formalização dos fenômenos) encontra-se com o regime de veridicção que a<br />

governamentalidade neoliberal coloca para a prática de governo (o “mercado”, pensado como<br />

espaço artificial em que as regras do jogo são testadas para que a aceleração econômica seja<br />

máxima). Os dois juntos fazem da <strong>tecnociência</strong> um meta-dispositivo capaz de capturar,<br />

orientar, controlar gestos, condutas, opiniões e discursos.<br />

A <strong>tecnociência</strong> divide o discurso verdadeiro do falso, o competente do incompetente, o<br />

racional do irracional de uma forma que, cada vez mais, é levada em conta na organização, na<br />

legitimação e no funcionamento diário de fábricas e prisões, de empresas e escolas, de<br />

hospitais, universidades e até mesmo igrejas 307 . Os dispositivos atuais funcionam com base no<br />

empreendedorismo, na ênfase na produção de novidade, na produtividade e, em geral, em<br />

307 Lembramos, por exemplo, a centralidade, nos Estados Unidos, da questão do ensino do criacionismo nas aulas de<br />

ciências, a acrimônia do debate sobre o status, científico ou não, da teoria do design inteligente (veja cap. 4), os<br />

panfletos evangélicos desvelando os “erros científicos” do darwinismo. No contexto católico, se pense na necessidade<br />

que a Igreja sente de “demonstrar” cientificamente que o embrião humano é uma pessoa já com poucos dias de vida,<br />

para validar a proposição, moral, de que não pode ser sacrificado.<br />

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