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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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falta de consenso, teorias alternativas, rivalidades podem ser usadas para confundir, por<br />

exemplo etiquetando as conclusões do IPCC 249 como alarmismo, ou retratando uma<br />

comunidade científica dividida e sem um verdadeiro entendimento do que está acontecendo<br />

com o clima.<br />

Além da apropriação da <strong>tecnociência</strong> como arma política, há outro fenômeno relevante:<br />

o fato de que a política e a justiça se vêem obrigadas a tomar partido, a decidir sobre<br />

questões tecnocientíficas. Mesmo que dados cruciais venham de pesquisas acadêmicas, a<br />

decisão final quanto a avaliar riscos e benefícios das plantas transgênicas, decidir se devem ser<br />

incentivadas e transformadas em produtos comerciais (como nos EUA e Argentina) ou, ao<br />

contrário, proibidas ou limitadas (como na União Européia), compete aos políticos, não aos<br />

cientistas. Mesmo após consultorias dos especialistas, a esfera política é quem deve decidir.<br />

Quando a comunidade científica não havia ainda fechado a caixa preta do<br />

conhecimento sobre a redução da camada de ozônio na alta atmosfera, e havia controvérsias<br />

sobre seus papel e impacto para a vida na superfície terrestre, a política foi obrigada a legislar<br />

sobre o “buraco”, a decidir, a avaliar hipóteses e probabilidades. A política é que foi forçada a<br />

dialogar e negociar com as moléculas de CFCs e de O3, a decidir o que era proibido, quanto,<br />

quando. E o fez impulsionada por movimentos e grupos de pressão transversais, globais.<br />

O mesmo vale para o aquecimento global (assinar o protocolo de Quioto pode salvar o<br />

planeta ou não?), a pesquisa com células-tronco (a vida humana e seus direitos começam com<br />

a fecundação ou não? Se sim, vale mais o direito de um humano potencial ou as potenciais<br />

vantagens futuras da experimentação?). Quando a ciência ainda não fala com a monolítica voz<br />

da verdade, mas na polifonia das controvérsias, das probabilidades e das hipóteses, a política<br />

precisa decidir. Decidir se é obrigatório rotular ou não comida contendo 1% de ingredientes<br />

geneticamente modificados, se as antenas de telefonia celular causam leucemia ou problemas<br />

cerebrais. Precisa estabelecer que quantidade de metanol no vinho é considerada veneno 250 ,<br />

249 Estabelecido em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o<br />

Meio Ambiente (PNUMA), o IPCC é o painel responsável por fornecer informações relevantes sobre as mudanças<br />

climáticas, como mitigá-las e como avaliar seus impactos. É dividido em três grupos de trabalho e integrado por<br />

centenas de cientistas do mundo inteiro. Todos os relatórios da entidade sofreram grandes pressões políticas e foram<br />

escritos tendo que levar em conta as posições dos países produtores de petróleo e daqueles (como os Estados Unidos)<br />

que têm uma agressiva política de não-redução do uso de combustível fóssil. Mesmo assim, o trabalho do IPCC foi<br />

acusado de alarmismo. Em 2002, o lobby da ExxonMobil sobre o presidente Bush levou, por exemplo, à não reconfirmação<br />

do cientista que liderava da entidade, Robert Watson.<br />

250 O metanol, ou álcool metílico, é um composto tóxico usado como solvente industrial. Ingerido, pode causar cegueira<br />

permanente e morte. Pode ser contido no vinho, por fraude ou por produção natural na fermentação.<br />

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