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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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pagar mais […] Universidades e institutos de pesquisa competem ferozmente por<br />

pessoal, bem como pela honra de patentear primeiro novas descobertas científicas<br />

(Harvey, 2006: p. 151).<br />

Em momentos de preeminência do “mercado” nas oscilações entre “mercado” e “trabalho”,<br />

isto é, entre momentos concorrenciais e estatizantes, monetaristas e estatistas (Kurz, 2004: p.<br />

11 e p. 40-41), a ciência obedece de maneira mais intensa e explícita a uma racionalidade<br />

econômica e a um cálculo mini-max 43 : minimizar custos, maximizar produtividade e impacto,<br />

vender idéias, atenuar as externalidades negativas.<br />

Já com a crise do fordismo-keynesianismo na década de 1970 (Harvey, 2006: cap. 7-<br />

10; Dupas, 2006: p. 139-145), mas especialmente a partir da década de 1980, o conhecimento,<br />

embora seja tecnicamente um bem “não-rival” 44 , passa a ser visto não mais como public good<br />

ou como common 45 . A ciência, como já aconteceu com outros commons, é narrada e tratada<br />

como passível de apropriação, seja porque patenteável ou registrável, seja porque seu uso pode<br />

ser restrito devido a exigências de segredo industrial ou segurança nacional. Seja ele inovador,<br />

seja vinho velho em nova garrafa, o discurso de que o conhecimento é mercadoria, de que a<br />

ciência deve ser competitiva e de alta performance, de que deve prestar conta para a sociedade<br />

do dinheiro que é gasto com ela, foi publicizado de forma crescente e incorporado no discurso<br />

governamental e empresarial, bem como nas práticas administrativas e de policy-making:<br />

Cada vez mais, estão sendo enfatizadas a economia e a produtividade da ciência,<br />

43 John Von Neumann (1903-1957) – um dos maiores matemáticos do século passado, bem como um dos gênios por<br />

trás da construção da primeira bomba atômica e idealizador de seu uso – criou o teorema Minimax no âmbito das<br />

teorias dos jogos chamados “de soma zero” (os jogos em que tudo que um jogador ganha corresponde a algo que outro<br />

jogador perde). Em geral, na teoria da decisão, se chama Minimax o método para minimizar a máxima perda possível,<br />

ou maximizar o ganho mínimo. Sobre o teorema de minimax, de Von Neumann-Morgenstern, veja Castelfranchi e<br />

Stock, 2002: cap. 5.<br />

44 Em economia, um bem é “não-rival” quando o consumo do bem por um indivíduo não reduz a quantidade a ser<br />

potencialmente consumida por outros indivíduos. Os bens intelectuais são é um exemplo clássico de bens não-rivais<br />

(Simon e Vieira, 2007): fornecer uma idéia para alguém não elimina nossa possibilidade de continuar usando aquela<br />

idéia. Os direitos de propriedade intelectual (patentes, trade-mark, copyright etc), que criam formas de apropriação de<br />

bens não-rivais, são, justamente por isso, instrumentos centrais do capitalismo contemporâneo. Veja, por exemplo,<br />

Lazzarato (2003) e Howitt (2003).<br />

45 Um common é, em sentido estrito, uma common land: um pedaço de terra que não pertence a ninguém na forma de<br />

propriedade particular, sendo gerido por uma comunidade local que possui o direito a seu uso coletivo, por exemplo<br />

como pasto para gado. Por extensão, commons são recursos ou bens que uma determinada comunidade enxerga como<br />

acessíveis por direito a cada membro. Em muitos grupos indígenas, os nativos vêem como commons o território de<br />

caça, a fauna e a flora local, o conhecimento em geral. Enclosure é o termo utilizado para o processo histórico em que<br />

as terras comunitárias passam a ser cercadas e fechadas, para que seu uso se torne direito exclusivo de alguns, na forma<br />

de uma propriedade particular (por ex., veja Shiva, 1999).<br />

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