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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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A gênese, aliás, a recombinação moderna da idéia de progresso – que para alguns é<br />

“ideologia” (Habermas, 1986), para outros, “mito” (Dupas, 2006) – é intricada. O “relativismo<br />

histórico” (Wolper, 1970) dos humanistas renascentistas, os escritos dos grandes artesãos e<br />

engenheiros do início da era moderna e algumas concepções teleológicas cristãs sobre a<br />

possibilidade de uma redenção progressiva são alguns entre tantos discursos que contribuíram<br />

para que tomasse força entre os séculos XVI e XVII a idéia de que os conhecimentos e os<br />

feitos dos Antigos não são necessariamente superiores aos dos homens atuais, e que<br />

“novidade” tem bastante chance de ser sinônimo de avanço, melhoria. Na configuração<br />

moderna da idéia de progresso, a sensação imperiosa do surgimento de uma nova era – que se<br />

apossa de quase todos os pensadores do século XVII, é central.<br />

Embora muitos autores afirmem que a ruptura com a Idade Média foi determinada,<br />

principalmente, pelo surgimento da imprensa (Eisenstein, 1998) e/ou pelas viagens<br />

geográficas, uma novidade importante ocorreu bem antes da estréia da Era Moderna. Por volta<br />

do século XII, na Europa Ocidental aparecem traduções em latim de obras científicas gregas.<br />

Este processo de gradativa recuperação e re-uso, circulação e discussão de idéias e teorias<br />

esquecidas no Ocidente durante a Alta Idade Média (particularmente as da ciência grega<br />

helenística), foi fundamental 157 . Trata-se de um “primeiro renascimento” que coincide, não por<br />

acaso, com a época em que Bernardo de Chartres difunde a célebre imagem dos anões<br />

apoiados nos ombros de gigantes (veja nota 58 e Par. 1.4.2). Para se ter uma idéia de como os<br />

conhecimentos clássicos haviam desaparecido, basta pensar que no século VIII d.C. um dos<br />

mais celebrados sábios do mundo latim, o chamado Venerável Beda, ou San Beda, historiador<br />

e filósofo, publicou um conspícuo método 158 para ensinar a contar até mais do que 10 com os<br />

dedos da mão (fazia isso por meio de uma língua de sinais). No Oriente, por outro lado, o<br />

conhecimento da ciência helenística havia sido guardado e estava circulando já a partir da<br />

chamada Renascença islâmica, nos séculos IX a X.<br />

No século XIII, a reconquista árabe de regiões na Espanha e na Itália e o saque de<br />

Constantinopla 159 pelos cruzados (1204) causaram – bem antes que a prensa de Gutenberg – a<br />

157 Russo (1996) produz um texto surpreendente em que mostra, com abundância de provas documentais, até que ponto<br />

a ciência, a tecnologia, a filosofia do Renascimento e do período da “Revolução científica” devem seus resultados à<br />

releitura dos cientistas e filósofos helenistas. Ainda hoje, é quase desconhecido o nível em que chegara a ciência grega.<br />

158 De computo vel loquela digitorum, também conhecido como Liber de loquela per gestum digitorum.<br />

159 Ou Bizâncio. Hoje, Istambul.<br />

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