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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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Mullooly, confiante toupeira, fez outro buraco. Sob a igreja do século IV, encontrou<br />

um rio subterrâneo. E todo um bairro, quase intacto, com casas da época imperial, ruas e<br />

muros da Roma republicana. Numa sala esculpida em forma de caverna achou um mithraeum,<br />

templo do deus persa Mitra, amado pelos soldados imperiais nos primeiros séculos da era<br />

cristã.<br />

Em suma, S. Clemente é um monstrum composto por duas igrejas sobrepostas que<br />

cresceram sobre um bairro romano. Ou, é um bairro romano que serviu como base para se<br />

edificar uma basílica que, por sua vez, tornou-se suporte e matéria-prima para uma igreja do<br />

século XII, reformada no século XVIII. De fato, assim acontece em Roma. A cidade não<br />

cresce só horizontalmente. Roma cresce verticalmente. O pavimento fica lentamente soterrado,<br />

como numa espécie de ampulheta. O tempo romano mede-se em metros: mais ou menos, 10<br />

por milênio – dizem os arqueólogos – por causa dos sedimentos trazidos pelo rio Tibre. Muitas<br />

partes da Roma imperial que hoje ainda se vêem na superfície da cidade estavam<br />

originalmente em cima de morros. O que estava no chão, encontra-se hoje 10 ou 20 metros<br />

abaixo da terra. A res publica… quase 30 metros de imersão no tempo.<br />

Como visito S. Clemente, tentarei visitar a <strong>tecnociência</strong> contemporânea. Entrando<br />

pelos buracos. Passeando em rios e túneis, subterrâneos e grutas. Olhando para a história, mas<br />

também para as lendas escritas nas paredes. Decodificando o latim, mas também lendo os<br />

quadrinhos em língua vulgar. Observando de que maneira foram desmontados e re-agregados,<br />

esquecidos e reencontrados estruturas e materiais. Mapeando seu funcionamento em diferentes<br />

momentos. Enxergando nela (a basílica… e a <strong>tecnociência</strong>) não somente uma arquitetura, mas<br />

também um dispositivo recombinante 2 .<br />

A ciência de hoje não é a mesma coisa da filosofia natural do século XVII. Não é a<br />

mesma atividade praticada na época em que foi inventada a palavra “cientista” (o séc. XIX).<br />

Tampouco a ciência é a mesma Big Science surgida na primeira metade do século XX e<br />

estruturada ao longo da Guerra Fria (Galison e Helvy, 1992). Tecnologia e ciência, embora<br />

diferentes, são hoje cada vez mais representadas e geridas como se fossem produzidas em<br />

latim (porque contém artigos e preposições articuladas, que em latim não existem), mas tampouco no italiano vulgar<br />

que conhecemos, por exemplo, em Dante Alighieri.<br />

2 O conceito foucaultiano de dispositivo é não-linear e relacional. Será discutido no Par. 2.7. Dispositivo é uma rede,<br />

um conjunto heterogêneo que compreende “discursos, instituições, instalações arquitetônicas, leis, regulamentos,<br />

medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas” (Foucault, 1991: p.<br />

128). É uma máquina de “fazer ver e fazer falar” (Deleuze, 1990), como veremos, em que é fundamental o<br />

entrelaçamento entre saber, poder e subjetivação.<br />

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