10.06.2013 Views

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

de interesse: enquanto os custos da ciência se tornavam cada vez mais elevados, os<br />

que estavam por fora precisavam ser convencidos do valor desta atividade [...]. A fonte<br />

de patrocínio mudara, do rei e a nobreza no séc. XVII para governos, indústria e o<br />

público [...], mas a necessidade de “vender” a ciência permaneceu. Os cientistas<br />

também buscaram influência dentro da comunidade acadêmica, expandindo<br />

gradualmente a proporção do sistema universitário dedicada às atividades científicas<br />

[…] (Bowler e Morus, 2005; trad. minha).<br />

Em suma, na Inglaterra (mas também na Alemanha e, em medida menor, na França), a<br />

institucionalização e profissionalização da ciência se deu paralelamente a um esforço intenso<br />

de lobbying e ao constituir-se, por meio da divulgação escrita e das conferências públicas, de<br />

um discurso sobre o valor da ciência como forma de conhecimento fundamental para o<br />

progresso e para a humanidade. Quando Huxley, no final do século XIX, definiu a ciência<br />

como “Church Scientific” 192 , ela, em certo sentido, realmente “tinha alcançado de alguma<br />

forma esta posição” (Knight, 1998). Inúmeros livros de ciência ou de divulgação (como o<br />

“Catecismo Químico”, de S. Parkes) estavam repletos de imagens da ciência não só como<br />

“luz”, mas também como exemplo de atividade moralmente superior: uma religião laica<br />

para a salvação da humanidade. Se esta narrativa ingênua e exagerada não foi certamente a<br />

única nem, talvez, a mais importante, era porém reveladora de um fato importante: o discurso<br />

da ciência e da tecnologia tinha alcançado uma autoridade e uma potência tal que beirava o<br />

sagrado.<br />

Os que geriam a Royal Institution na secunda metade do século XIX, ou que falavam<br />

para grandes audiências na British <strong>As</strong>sociation […] estavam otimistas. E tinham razão<br />

para estar. A empresa que havia começado a decolar na Paris de Napoleão tinha, sem<br />

dúvida, progredido enormemente. […] A ciência já não era mais um programa; era um<br />

grande corpo de conhecimento, partes do qual já haviam mostrado ser poderosas […].<br />

Muitos eram atraídos pela idéia de que o conhecimento científico era o único<br />

verdadeiro, ou pelo menos de que um raciocínio como aquele usado nas ciências<br />

192 “The Church Scientific” foi o nome que, na última década do século XIX, o biólogo Thomas Huxley (o “buldogue<br />

de Darwin”) deu à instituição que ele imaginava devesse derrubar “o domínio cultural da cristandade” e substituir a<br />

religião com o evolucionismo e a racionalidade científica. A ciência se tornava uma profissão e sua autoridade moral e<br />

epistêmica parecia enorme. Para defender a nascente instituição-ciência como forma privilegiada de produzir<br />

conhecimento sobre o mundo, e construir o cientista como exemplo moralmente superior para a conduta humana<br />

(Gregory e Miller, 1998), Huxley usou de propósito termos religiosos em sua prática de cientista e conferencista<br />

público: pregava “sermões” sobre temas científicos e se direcionava para o público de suas conferências chamando-o<br />

de “congregação”, chamava seus colegas de “The Church Scientific” e se autodenominou “bispo” da igreja.<br />

204

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!