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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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poderiam transmutar-se em algo bastante diferente da busca desinteressada de<br />

conhecimento que, longamente, foi considerada o impulso para os professores<br />

universitários. [...] A transferência de tecnologia é preocupante não apenas porque<br />

pode alterar a prática da ciência na universidade, mas também porque ameaça os<br />

valores e os ideais centrais da ciência acadêmica. (Bok, 1982: p. 142, trad. e grifos<br />

meus).<br />

Pureza e desinteresse, em suma, foram sentidos, ao menos até a década de 1980, como<br />

elementos normativos centrais não somente éticos, mas também epistêmicos, para o<br />

funcionamento da pesquisa científica. Na década de 1980, especialmente na área biomédica,<br />

muitos cientistas sentiram o descompasso entre o estereótipo do cientista “puro” e a realidade.<br />

Como mostrado no Capítulo 1, muitos pesquisadores começaram a assumir um papel ativo<br />

como atores da esfera econômica 181 . No entanto, duplicidade discursiva da <strong>tecnociência</strong><br />

continua funcionando. Mesmo ressignificada, a imagem antiga do cientista como criança<br />

curiosa continua funcionando em diversos mecanismos de legitimação 182 .<br />

Quando um produto comercial baseado em alta tecnologia é jogado sob os holofotes<br />

em alguma polêmica ou debate social (por ex.: devemos<br />

usar plantas transgênicas patenteadas em cultivos<br />

comerciais?) os tecnocientistas têm a tentação de utilizar a<br />

argumentação de que a ciência é apenas a busca, pura,<br />

nobre e desinteressada do conhecimento e que, portanto,<br />

não deve ser obstaculizada com base em ideologias<br />

políticas, crenças ou valores: ser contra a aprovação dos<br />

produtos comerciais é, então, igual a ser contra a pesquisa, ser “anticientífico”.<br />

189<br />

“[…] Eu sou daquelas que acham<br />

que a ciência possui grande beleza.<br />

Um cientista em seu laboratório não<br />

é somente um técnico: é também<br />

uma criança posta frente a<br />

fenômenos naturais que a<br />

impressionam como um conto de<br />

fadas…”<br />

Marie Curie<br />

Quando, ao contrário, não é a validade da lógica do lucro na regulamentação da<br />

tecnologia que é questionada, mas, por exemplo, a própria “liberdade de pesquisa”, então é a<br />

181 Etzkowitz (1998), a partir de entrevistas com cientistas, mostra o processo de revisão das normas científicas rumo à<br />

aceitação de uma ciência “for-profit”. Um dos entrevistados afirmou: “<strong>As</strong> normas da ciência, que tradicionalmente<br />

condenam as motivações baseadas na busca de lucro, estão começando a mudar para permitir [...] o<br />

empreendedorismo”. Outro cientista comentou: “Quando cheguei aqui, a idéia de um professor tentando ganhar<br />

dinheiro era um anátema [...] Isso mudou quando apareceu a biotech”. Ou ainda: “Nunca havia me dado conta... Posso<br />

fazer boa ciência e ganhar dinheiro”. (Eztkowitz, 1998: p. 827 seg., trad. minha). Veja também o Capítulo 1.<br />

182 Uma celebérrima frase atribuída a Isaac Newton é sintomática desta formulação narrativa do papel do cientista<br />

“puro”: “Eu não sei como eu posso parecer ao mundo, mas para mim, eu pareço ser apenas como uma criança<br />

brincando na beira do mar, divertindo-me e encontrando um seixo mais liso ou uma concha mais bonita do que o<br />

ordinário, enquanto o grande Oceano da verdade permanece todo indescoberto diante de mim”. Brewster, David.<br />

Memoirs of the Life, Writings, and Discoveries of Sir Isaac Newton (1855, Volume II: Cap. 27).

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