10.06.2013 Views

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

mundo nostro sublunari philosophia nova, de William Gilbert (1651), <strong>As</strong>tronomia nova,<br />

de Kepler (1609), Discorsi intorno a due nuove scienze, de Galilei (1638), Novo teatro<br />

di machine, de Vittorio Zonca (1607): o termo novus aparece, de maneira quase<br />

obsessiva, no título de centenas de livros científicos publicados ao longo do século<br />

XVII. (Rossi, 2000: p. 60. Trad. minha).<br />

O Novum Organon de Francis Bacon (1620) – primeira parte de sua Instauratio Magna, a<br />

“grande instauração” de um novo saber-poder sobre a Natureza – talvez seja o mais<br />

emblemático texto representando a euforia desta geração de orgulhosos acelerados. No<br />

frontispício da ópera (Figura 21 acima), as Colunas de Hércules abrem-se sobre a imensidade<br />

do oceano. Mas o oceano já não é um deserto ignoto e proibido: tem navios, indo e vindo<br />

daquele Além antigamente pensado como inviolado e inviolável 167 . Em letras pequenas, uma<br />

inscrição parafraseia uma profecia de Daniel: “Multi pertransibunt et augebitur scientia” 168 .<br />

Antes que Colombo fizesse rota rumo ao Atlântico, o brasão de armas da casa real<br />

espanhola trazia estampado Nec Plus Ultra – o mote que uma lenda afirmava estar inscrito nas<br />

Colunas de Hércules: “Não mais além”, ninguém podia ir, e nada existia de permitido ou<br />

conhecível, além do limite do mundo (geográfico e epistemológico) ocidental. Durante o<br />

reinado de Carlo V, em 1500, a bandeira passara a negar a negação. Eliminada a admoestação<br />

dos Antigos, “Plus ultra” passara a ser o imperativo dos Modernos 169 .<br />

167 <strong>As</strong> alusões simbólicas de Francis Bacon são sempre intricadas. Os navios, além do significado óbvio, simbolizam a<br />

embarcação que levou os Argonautas em busca do Velocino de ouro: uma alegoria para indicar a busca pelo<br />

“conhecimento verdadeiro” e o “esclarecimento” que Bacon tem como objetivo em sua Grande Instauração. Ulisses e<br />

os Argonautas atravessam a trama discursiva da <strong>tecnociência</strong>...<br />

168 “Muitos atravessarão, e o saber será aumentado”. O texto original da profecia (Daniel, 12:4) é: “Tu autem Daniel<br />

claude sermones, et signa librum usque ad tempus statutum: plurimi pertransibunt, et multiplex erit scientia”. Foram<br />

propostas diversas interpretações para a frase, dentre elas: “Tu, porém, Daniel, cerra as palavras e sela o livro, até o fim<br />

do tempo; muitos correrão de uma parte para outra, e a ciência se multiplicará”. Ou também: “Lacre este livro até o<br />

tempo final. Muitos o examinarão, e o conhecimento deles aumentará”. Ou, ainda: “Feche o livro com um selo para que<br />

fique fechado até o momento estabelecido. Muitos correrão de cá para lá, procurando ficar mais sábios”. Para alguns<br />

“pertransibunt”, na profecia de Daniel, refere-se ao percorrer as páginas do livro. Para outros, significa “ir e vir” em<br />

busca do conhecimento. Bacon decide parafrasear e interpretar “pertransibunt” como as viagens geográficas, indo e<br />

vindo pelos mares. Não só: o filósofo parece re-interpretar a profecia no próprio texto do Novum Organum. Em Par. 92-<br />

93, escreve: “Em vista disso, é necessário propor e explicar os argumentos que tornam prováveis as nossas esperanças,<br />

tal como fez Colombo que, antes de sua maravilhosa navegação [...], expôs as razões que o levaram a confiar na<br />

descoberta de novas terras e continentes, além do que já era conhecido. Tais razões, de início rejeitadas, foram mais<br />

tarde comprovadas pela experiência e se constituíram na causa e no princípio de grandes empresas. [...] Não se deve<br />

esquecer a profecia de Daniel a respeito do fim do mundo: ‘Muitos passarão e a ciência se multiplicará’, o que<br />

evidentemente significa que está inscrito nos destinos [...] que o fim do mundo, o que, depois de tão distantes<br />

navegações parece haver-se cumprido, [...] e o progresso das ciências coincidem no tempo” (Bacon, 1997 [1620],<br />

Par. 92-93).<br />

169 Ainda hoje, o “Plus Ultra” aparece, em letras pequenas, na bandeira espanhola.<br />

170

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!