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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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poderia resolver todos os problemas humanos (Knight, 1998; trad. minha).<br />

3.13 A ordem do discurso na <strong>tecnociência</strong> contemporânea<br />

Os elementos analisados até aqui mostram que a <strong>tecnociência</strong> funciona como um todo<br />

desejável, inevitável e não-político graças, entre outras coisas, a uma multiplicidade de<br />

mecanismos discursivos fundados em topoi e leitmotifs que falam de objetividade,<br />

universalidade, pureza, desinteresse, imanência, domínio sobre os fenômenos naturais, mas<br />

que também mobilizam afetos, valores, opções morais (a luz contra a escuridão, a<br />

racionalidade contra o medo, os fatos contra a “ideologia”). O dispositivo tecnocientífico atual<br />

aproveita, por um lado, o entrelaçamento complexo (e recente) entre técnica, ciência e<br />

capitalismo neoliberal e, por outro, elementos e processos (antigos) que fizeram com que a<br />

ciência se tornasse sinônimo de razão e “voz da verdade”.<br />

Como resultado, o discurso da <strong>tecnociência</strong> atual funciona como uma fortaleza. Os<br />

símbolos clássicos da ciência podem ser facilmente evocados e usados para a defesa da<br />

<strong>tecnociência</strong> como um todo. A potência da técnica pode ser mobilizada para justificar algo que<br />

acontece na esfera econômica. <strong>As</strong> “leis de mercado” podem servir para legitimar de forma<br />

indolor alguma escolha (política) sobre a gestão da técnica. E assim por diante.<br />

Ao pôr-se na escuta do fluxo informativo da <strong>tecnociência</strong>, não é difícil observar tais<br />

mecanismos em ação. Tanto o discurso midiático sobre a <strong>tecnociência</strong> quanto o discurso<br />

nativo de cientistas, empresários, policy makers revelam a presença dos procedimentos que, de<br />

acordo com Foucault, funcionam para selecionar, organizar e redistribuir a produção do<br />

discurso (Foucault, 1996, OD: p. 8-21) 193 .<br />

Entre os muitos procedimentos de controle e delimitação que atingem o discurso, para<br />

Foucault há três grandes mecanismos de exclusão. São eles “a palavra proibida” (interdição<br />

do discurso), a “segregação da loucura” (que aqui será reformulada como separação entre<br />

discurso racional e irracional), e a “vontade de verdade” (a distinção entre o discurso<br />

verdadeiro e o falso, com a rejeição do segundo).<br />

Na <strong>tecnociência</strong>, tais procedimentos separam os sábios dos ignorantes, distinguem os<br />

que querem o “progresso” dos “obscurantistas”, os que falam “com base científica” dos que<br />

193 “Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo,<br />

rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder” (Foucault, 1996, OD: p. 10).<br />

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