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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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considerada superior. Para os Renascentistas do século XVI, a coisa era mais complicada. A<br />

descoberta de uma multiplicidade de vozes, de opiniões, de teorias e de hipóteses sobre o<br />

mundo tornava a autoridade aristotélica e o Ipse dixit medieval questionáveis. A Escolástica já<br />

não aparecia como tudo que herdamos dos Antigos. Por que entregar-se a uma única, fixa<br />

verdade, quando os próprios Antigos propuseram inúmeras teorias e métodos, mostrando o<br />

poder do debate e da discussão? Por que achar que a única cosmologia possível é a de<br />

Ptolomeu, se o grande Aristarco afirma, incrivelmente, que a Terra gira ao redor do Sol e aduz<br />

argumentações a favor desta hipótese 163 ?<br />

Paralelamente a isso, as viagens marítimas do final do século XV e início do XVI<br />

fizeram com que, literalmente, dúzias de novas espécies biológicas invadissem aquele Mundo<br />

que logo passara a se autodefinir Velho. A natureza se expandia de maneira dramática e<br />

inédita ao olhar dos naturalistas:<br />

Graças às descobertas geográficas e às intensificadas trocas comerciais, os<br />

naturalistas da Europa toda se depararam com uma expansão, tanto repentina quanto<br />

imprevista, do mundo natural. No final do século XV e nos primeiros anos do seguinte,<br />

centenas de novas espécies de animais e vegetais foram importadas no velho<br />

continente, arrasando crenças e dogmas que se haviam consolidados por milênios e<br />

derrubando em pouco mais que uma década o quadro cognoscitivo estabelecido pelos<br />

autores clássicos. (Beretta, 2002: p. 10. Trad. Minha).<br />

Tantos acontecimentos impuseram aos pensadores renascentistas um esforço extraordinário de<br />

releitura filológica dos naturalistas clássicos (Aristóteles, Plínio, Galeno), na tentativa de<br />

harmonizar as afirmações deles com as novas, traumáticas, observações (Beretta, 2002: p. 8-<br />

12). Foi uma tentativa em boa parte frustrada, que levou, junto com outros fatores, à recusa do<br />

ipse dixit que norteara parte da discussão medieval. O saber institucional, solicitado por<br />

163 Os Renascentistas e, mais tarde, os filósofos naturais dos séculos XVII e XVIII, quiseram aprender com os antigos,<br />

mas também inovar, “progredir”. Para Russo (1996), o que hoje chamamos de revolução científica foi, em grande parte,<br />

a descoberta da ciência helenística por meio dos manuscritos e dos livros que circularam na Europa a partir da metade<br />

do século XIV. Muitos dos textos científicos eram inicialmente incompreensíveis para a cultura ocidental da época,<br />

mas mesmo assim foram as bases para a “renascença” da ciência: “os intelectuais renascentistas não estavam em<br />

condições de entender as teorias científicas helenísticas, mas [...] eram atraídos pelos resultados, particularmente<br />

aqueles representados com desenhos, como as dissecções anatômicas, as perspectivas, as engrenagens, as máquinas<br />

pneumáticas, a fusão de grandes obras em bronze, as máquinas bélicas, a hidráulica, os autômatos, os retratos [...] a<br />

construção de instrumentos musicais”. (Russo, 1996: p. 364, trad. minha).<br />

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