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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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apresentada ao mundo pela mais importante revista científica do mundo, Nature, em sua<br />

capa 202 .<br />

Quadro 13. Só o "técnico" pode decidir. (Mas quem é o técnico?)<br />

“Na semana passada, o plenário da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) debateu a<br />

primeira liberação comercial de um produto recombinante, uma vacina para uso veterinário previamente<br />

aprovada por especialistas em segurança animal [...]. O resultado: 17 dos presentes foram a favor da liberação,<br />

4 contra. Venceram os quatro e a vacina está proibida no Brasil. Uma pequena minoria conseguiu legalmente<br />

condenar o País ao atraso. Tudo começou há três anos [...] Na época já se sabia que existiam no Brasil<br />

grupos radicalmente contra organismos geneticamente modificados. Mesmo considerando que a CTNBio<br />

seria uma comissão estritamente técnica, cuja função era avaliar a segurança dos produtos produzidos com a<br />

nova tecnologia, os congressistas decidiram que era importante que as opiniões de pessoas ideologicamente<br />

contrárias a ela pudessem ser ouvidas. [...] O Congresso aprovou a lei acreditando que havia legislado dentro<br />

do espírito democrático. [...] Foi então que os problemas começaram. A Presidência da República, sob direta<br />

influência do Ministério do Meio Ambiente e desprezando os argumentos do Ministério da Agricultura, do<br />

Ministério da Indústria e Comércio, do Ministério da Saúde e da comunidade científica [...] baixou um decreto<br />

que estabelecia que as decisões de liberação comercial só poderiam ocorrer com a aprovação de 75% do total<br />

dos membros da comissão. [...] Com uma penada o presidente descartou o equilíbrio estabelecido pelo<br />

Legislativo, passou por cima da opinião da maioria de seus ministros e deu direito a veto aos membros<br />

radicalmente contrários à tecnologia. Na semana passada, colhemos os frutos. [...] Quatro pessoas<br />

destruíram as chances de termos animais mais saudáveis. [...] Se respeitasse a lei, o governo teria de parar<br />

de tratar os diabéticos que necessitam de insulina recombinante [...]. Além disso deveria deixar de vacinar as<br />

milhares de crianças que recebem vacinas recombinantes, produzidas com a mesma tecnologia que foi negada<br />

aos animais. [...]”<br />

“CTNBio: como 4 conselheiros venceram 17”, Artigo opinativo do biólogo e empreendedor Fernando Reinach.<br />

Estado de S. Paulo, Quarta-feira, 29 novembro de 2006 (grifos meus).<br />

Mais recentemente, alguns propuseram que a própria palavra “clonagem” não fosse mais<br />

usada quando o assunto era clonagem de embriões humanos sacrificados 203 para obter células-<br />

tronco. Alegaram que, nesses casos, melhor era evitar confusões mencionando apenas o nome<br />

da técnica usada: somatic cell nuclear transfer (Quadro 14). A prestidigitação lexical, com<br />

intento de malabarismo semântico, é grosseira. Mas não completamente ineficaz em driblar a<br />

apropriação, recodificação e negociação social dos sentidos da <strong>tecnociência</strong>. Ela mostra que,<br />

mesmo com pouca chance de sucesso, o dispositivo tecnocientífico ativa, de forma quase<br />

inevitável e automática, anticorpos discursivos, às vezes desordenados e ineficazes, quando<br />

202 Analogamente, a palavra “quimera”, que é um termo estritamente técnico da biologia, foi criticada, quando usada<br />

por jornalistas e divulgadores, com a acusação de que serviria, propositalmente, para assustar o público.<br />

203 Mesmo tendo uma clara conotação, até a palavra “sacrificar” aplicada ao embrião (ou às cobaias), é oriunda do<br />

jargão técnico de médicos e biólogos, não fruto de sensacionalismo midiático.<br />

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