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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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A tese de que há um saber secreto das coisas essenciais, cuja divulgação traria conseqüências<br />

nefastas, explica Rossi, foi prevalente por séculos na cultura européia. O trecho do Evangelho<br />

segundo Mateus em que Jesus alerta seus discípulos para que não entreguem suas “pérolas aos<br />

porcos” 184 era interpretado, por muitos comentadores, como: há um saber precioso que não é<br />

para todos; a verdade deve ser mantida secreta, sua difusão é perigosa.<br />

Secreta Secretorum (“Os segredos dos segredos”), texto de grandíssima circulação na<br />

Idade Média, na época atribuído erroneamente a Aristóteles, afirmava que os segredos da<br />

ciência não devem ser escritos de forma acessível às multidões. No século XIII, a scientia<br />

experimentalis imaginada por Roger Bacon (1214-1294) era uma ciência em boa parte<br />

hermética e não transmissível ao vulgo.<br />

O pensamento mágico-astrológico – que permaneceu forte e vital ao longo dos séculos<br />

XV-XVII – é um pensamento em que o saber não deve, ou não pode, ser comunicado a todos<br />

(porque deriva da comunhão mística com o Cosmo e porque não se compreende por meio de<br />

livros, mas pelo aprendizado direto com um Mestre). No venerado Corpus hermeticum,<br />

atribuído ao lendário Hermes Trismegistus, é explícita a divisão da humanidade em dois tipos<br />

de seres: a multidão dos simples e ignorantes (promiscuum hominum genus) e os homens<br />

“verdadeiros”, os eleitos, os sábios, que são iniciados aos mistérios sagrados e podem ler a<br />

verdade escondida, inscrita nos símbolos e sinais do mundo e das Leituras (Rossi, 2000: p.<br />

24).<br />

<strong>As</strong>sim, um ponto de ruptura entre o “mundo novo” que tantos pensadores<br />

mencionaram com orgulho durante o século XVII e os saberes alquímicos, mágicos e<br />

astrológicos estava justamente no valor da comunicação. A fidedignidade do novo tipo de<br />

conhecimento imaginado por Bacon ou Descartes, produzido por Boyle ou Galileu, passava,<br />

justamente, por sua comunicação e discussão pública. Por isso Galileu abandonou o latim para<br />

escrever em vulgar. Por isso, Henry Oldenburg, secretário da Royal Society, decidiu produzir<br />

em inglês a primeira revista científica (Philosophical Transactions) e traduzir pessoalmente<br />

dezenas de cartas que o senhor Antoni van Leeuwenhoek (1632-1723), comerciante holandês<br />

de tecidos, escrevia – sem conhecer uma palavra de latim – sobre suas observações com o<br />

microscópio.<br />

184 “Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para não acontecer que as calquem aos<br />

pés e, voltando-se, vos despedacem”. Mateus (7,6).<br />

191

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