10.06.2013 Views

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

2.2 População, segurança, biopolítica<br />

Ao longo de século XVIII, diz Foucault, a sociedade disciplinar encontra em seu movimento o<br />

entrelaçamento e a integração de suas técnicas disciplinares com dispositivos que são de<br />

regulação de uma população vista como massa global afetada pelos processos que são<br />

típicos de espécies vivas, tais como nascimento, morte, reprodução, enfermidade. Disciplinas e<br />

biopolítica são duas formas de tal “poder sobre a vida” 115 . Desenvolvem-se em momentos<br />

sucessivos e têm pontos de atuação diferentes:<br />

O poder sobre a vida se desenvolveu desde o século XVII com duas formas principais<br />

que não são antitéticas […] O primeiro a se formar centrou-se no corpo máquina:<br />

seu adestramento, o incremento de suas aptidões, a extração de suas forças […]<br />

mediante procedimentos de poder que caracterizam as disciplinas: anatomopolítica do<br />

corpo humano. O segundo, que se formou um pouco depois, em meados do século<br />

XVIII, está centrado no corpo espécie […] através de toda uma série de<br />

intervenções e controles reguladores: uma biopolítica da população (Foucault, 2006b,<br />

STP: p. 433; grifos meus).<br />

O que Foucault chama de biopolítica não é, banalmente, qualquer poder que controle ou afete<br />

os corpos e as vidas, pois isso, explica o filósofo, acontece com qualquer tipo de governo e<br />

poder. Biopolítica é um tipo de economia de poder caracterizado pela gestão científica, a<br />

manipulação dos parâmetros aptos a influenciar, desde seu interior, os mecanismos de<br />

regulação, evolução, reprodução da vida. Se a soberania se fundava e legitimava sobre a<br />

transcendência, a biopolítica é uma economia de poder baseada na imanência 116 .<br />

A razão de Estado havia trazido a racionalidade econômica no interior da arte de<br />

115 Foucault começa a pensar a relação entre o surgimento do problema da população e o da “biopolítica” já por volta de<br />

1976, em Il faut défendre la société (curso del 1976-77 no Collège de France) e em La Volonté de savoir (primeiro<br />

volume da Histoire de la sexualité). Em “Direito de Morte e Poder sobre a Vida” (último capítulo de La Volonté de<br />

savoir), o filósofo francês menciona um “novo regime de poder”, que faz sua aparição gradual no Ocidente a partir do<br />

séc XVII, um poder “cuja função mais elevada já não é mais matar, mas investir sobre a vida”. Biopolítica é então uma<br />

forma de governar em que “a vida e seus mecanismos entram no domínio dos cálculos explícitos, e faz do poder-saber<br />

um agente de transformação da vida humana”.<br />

116 Analogamente, no campo da epistémê e da constituição dos saberes, no século XVII há uma ruptura importante<br />

(também ligada à imanência e à empiria), estudada por Foucault em <strong>As</strong> palavras e as coisas. A partir, grosso modo, de<br />

1600, “a verdade encontra sua manifestação e seu signo na percepção evidente e distinta. Compete às palavras traduzila,<br />

se o podem” (Foucault, 2002, PC: p. 77), enquanto antes o mundo era inteligível por meio dos signos, das marcas,<br />

dos símbolos que Deus teria deixado nas coisas como indícios para o saber. Até o século XVI, a linguagem não é uma<br />

mera representação de um mundo externo, objetivo, passivo, mas “está depositada no mundo e dele faz parte porque, ao<br />

mesmo tempo, as próprias coisas escondem e manifestam seu enigma como uma linguagem e porque as palavras se<br />

propõem aos homens como coisas a decifrar” (idem, p. 47).<br />

113

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!