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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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Descartes, nos mostra o mundo sendo criado por um Deus relojoeiro que, após ter<br />

encaixado as peças do universo, limita-se a acionar o mecanismo destinado a<br />

prosseguir segundo princípios regulares e conhecíveis. Comparar Deus a um<br />

construtor de instrumentos mecânicos significava estabelecer uma similitude<br />

decididamente audaz, sobretudo para uma cultura que, desde épocas remotas, havia<br />

considerado as artes manuais (exercitadas na vida ativa) inferiores àquelas liberais<br />

(perseguidas por quem conduz uma vida contemplativa). [...] Com o relógio mecânico,<br />

a dimensão temporal da realidade perde seu mistério e o halo de maravilha mística<br />

[...] deixando o lugar para um instrumento de medição que garante um modelo para<br />

explicação racional (Beretta, 2002: p. 23-24, trad. minha).<br />

No entanto, ao menos durante o Humanismo, os instrumentos técnicos têm a função de operar<br />

como ferramentas para ampliar a potência do homem envolvido na “vida ativa”, não tanto de<br />

auxiliar o filósofo em sua contemplação e compreensão do mundo. Mesmo resgatados e<br />

valorizados, os instrumentos mecânicos são usados principalmente por militares, arquitetos,<br />

navegadores, engenheiros, ou para diversão e espetáculos 171 .<br />

É a partir do século XVI que, junto com os novos mundos descobertos e as novas formas<br />

de olhar o mundo, os “mecânicos” começam a entrar no clube seleto dos produtores da<br />

verdade:<br />

Verifica-se um fenômeno novo: [...] a idéia de instrumento científico e sua valorização<br />

para a pesquisa [...]. A importância atribuída pelos naturalistas à experimentação e à<br />

verificação empírica das teorias favoreceu a ideação de instrumentos que<br />

potenciavam as capacidades cognitivas dos sentidos do homem (Beretta, 2002: p. 25,<br />

trad. minha).<br />

Estes elementos permitem enxergar um aspecto problemático – e um acontecimento – na<br />

genealogia da objetividade, da neutralidade e da universalidade da <strong>tecnociência</strong>. Se, como<br />

Foucault (2003: p 339) evidencia, não era óbvio e evidente “que os loucos fossem<br />

reconhecidos como doentes mentais”, ou que “a única coisa a fazer com um delinqüente fosse<br />

171 Como no caso dos autômatos re-descobertos a partir dos textos gregos: Heron de Alexandria (10 d.C.-70 d.C)<br />

inventara uma rudimentar, porém funcional, máquina a vapor, a ser usada para abrir as portas dos templos ou para<br />

espetáculos com autômatos. Especialmente a partir do século XVII, chafarizes automáticos, passarinhos “robôs” e<br />

outras engenhocas tornam-se a atração em salões e jardins da nobreza européia.<br />

178

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