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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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autorizava a comercialização de descobertas feitas em qualquer laboratório de pesquisa<br />

federal, e admitia a participação dos cientistas nos lucros das empresas.<br />

A Bayh-Dole Act é talvez a pedra de fundação, nos Estados Unidos, de um novo<br />

regime de produção do conhecimento científico: a partir da década de 1980, o governo<br />

americano acoplou uma política de redução de recursos públicos para pesquisa com incentivos<br />

crescentes para que os pesquisadores e as universidades patenteassem suas descobertas.<br />

A transformação, ou a ressignificação, do conhecimento científico em propriedade<br />

intelectual e mercadoria não era óbvia, intrínseca ao funcionamento do capitalismo. Foi fruto<br />

de uma série de contingências, e foi necessária uma série complicada de ações políticas, de<br />

enunciações discursivas, de reformulações do direito e de mudanças no ethos dos cientistas, ao<br />

longo de anos, para que isso acontecesse. A década de 1980 foi crucial para a afirmação e para<br />

a penetração da racionalidade econômica no âmago da produção de conhecimento científico.<br />

Uma vez que nos EUA haviam se afirmado o novo regime de propriedade intelectual e<br />

as novas relações entre empresas e universidades, para as maiores corporações (e para o<br />

governo estadunidense) se abriam potencialidades de mercado extraordinárias. Mas a urgência<br />

passava a ser a de estender ao mundo todo as regras do jogo e a nova interpretação, que<br />

ofuscava a distinção clássica entre descoberta, que não pode ser patenteada, e invenção, bem<br />

como a distinção entre ser vivo e máquina. A recusa dos Estados Unidos em assinar o Tratado<br />

sobre Biodiversidade, produzido na Conferência do Rio de Janeiro em 1992, foi<br />

profundamente ligado a este tipo de interesse econômico e à vontade de impor a obediência a<br />

este novo modo de ver os direitos de propriedade intelectual (Castelfranchi, 1999).<br />

O acordo TRIPs foi, neste sentido, uma grande vitória dos Estados Unidos e das<br />

multinacionais hi-tech: a Organização Mundial do Comércio passava a aceitar como seus<br />

membros somente países que adequavam sua legislação à interpretação estadunidense sobre<br />

propriedade intelectual 74 .<br />

74 O TRIPs (Trade Related <strong>As</strong>pects of Intellectual Property Rights, “Acordo Relativo aos <strong>As</strong>pectos do Direito da<br />

Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio”, ADPIC na sigla em português) foi negociado em 1994 no<br />

encerramento da chamada Rodada Uruguai para a criação da Organização Mundial do Comércio. Impõe uma série de<br />

diretrizes para a regulamentação nacional, e limita a possibilidade (exigida por muitos países do sul do mundo) de criar<br />

sistemas de proteção da propriedade intelectual sui generis e coletivos (para os saberes indígenas, por exemplo). Foi<br />

fruto da intensa atividade de lobbying dos Estados Unidos e de outros países ricos, junto com empresas multinacionais,<br />

tais como a Pfizer. O acordo foi criticado duramente por ameaçar a segurança nacional e o direito a medicamentos<br />

essenciais nos países mais pobres. Por isso, em 2001 em Doha, foi produzida uma declaração que amenizava sua<br />

interpretação, garantindo que o TRIPs não devia e não podia impedir uma intervenção dos estados em resolver crises<br />

sanitárias e humanitárias (por exemplo, quebrando a patente para produzir remédios baratos contra a AIDS).<br />

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