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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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outras, mesmo não sendo determinadas linearmente umas pelas outras 139 . A <strong>tecnociência</strong> não<br />

é, simplesmente, o aparelho ideológico do capitalismo contemporâneo. Os discursos da ciência<br />

e os discursos da técnica não são congruentes nem complementares, tampouco homólogos ao<br />

discurso do capital. Em alguns aspectos, o sistema de produção de conhecimento científico<br />

funciona em conflito com as exigências de um sistema de mercado livre e de economia<br />

baseada na privatização do conhecimento. Por isso, é importante analisar de que forma a<br />

<strong>tecnociência</strong> de hoje precisa apresentar-se como espaço despolitizado, de inevitabilidade,<br />

necessidade, desejabilidade.<br />

A <strong>tecnociência</strong>, seja em seu discurso ou em seu funcionamento maquínico, é<br />

construção e ao mesmo tempo fato; é inevitável e objetiva e, ao mesmo tempo, escolha justa e<br />

desejada. Ela é produzida e funciona como um dispositivo que:<br />

- Do ponto de vista epistêmico, é encarnação da racionalidade por excelência (deslegitimando<br />

as vozes críticas como sendo irracionais, obscurantistas, apocalípticas e assustadas pelo<br />

progresso);<br />

- Do ponto de vista social, é inevitável e necessário (deslocando-se fora do âmbito político e<br />

da esfera pública, e delegando aos especialistas escolhas que são vistas, então, como<br />

meramente técnicas);<br />

- Do ponto de vista ético, é justo e desejável, segundo um cálculo instrumental e utilitário<br />

(permitindo assim classificar a dissidência e o antagonismo sob etiquetas como<br />

“fundamentalismo”, “luddismo” e, em geral, classificando como terrorista qualquer discurso<br />

que ameace subversão).<br />

Este é o próximo objetivo. Cruzar os dois regimes de verdade privilegiados da<br />

contemporaneidade: o mercado, lugar de veridicção para as práticas de governo (e, no<br />

<strong>neoliberalismo</strong>, voz privilegiada com que o social nos fala) e as ciências “exatas”, lugar de<br />

veridicção para as teorias sobre o mundo natural (e voz privilegiada com que a natureza nos<br />

fala). Deste cruzamento surge a <strong>tecnociência</strong> como dispositivo.<br />

139 Vários representantes de peso dos Science and Technology Studies já analisaram em termos de “co-evolução” a<br />

interação entre ciência, tecnologia e mercado (Stankiewicz, 1992, Callon et al., 1992), entre ciência e sociedade<br />

(Nowotny et al. 2001, p. 248), ou entre tecnologia e sociedade (Rip, 2002). Minha abordagem, ao analisar o<br />

agenciamento ciência-tecnologia-mercado, mesmo reconhecendo o valor heurístico do conceito (especialmente no que<br />

remete às contingências e à pressão seletiva), tem menos a ver com “evolução” e mais com constituição mútua de<br />

territórios e práticas.<br />

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