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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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4.5 Públicos que fazem a <strong>tecnociência</strong><br />

4.5.1 Diálogo, o grande slogan da <strong>tecnociência</strong> contemporânea<br />

A panorâmica acima deve tornar mais conseqüente a afirmação de que, embora a <strong>tecnociência</strong><br />

funcione como um dispositivo de inexorabilidade, também funciona por meio de redes<br />

tentaculares, de osmoses, rizomas em que atores diversos participam ativamente. A<br />

axiomatização e recombinação discursiva neoliberal, especialmente nos países que estão<br />

efetuando as acelerações tecnocientíficas mais elevadas, acontecem paralelamente ao emergir<br />

de instâncias e espaços em que é afirmada a existência de uma governance difusa ou de uma<br />

democracia “de baixo para cima”.<br />

Desta maneira, o double bind da <strong>tecnociência</strong> se estende também às enunciações sobre<br />

a importância da apropriação social do conhecimento. Por um lado, há um discurso dominante,<br />

disciplinar, sobre o drama do gap entre sábios e ignorantes 268 , sobre a centralidade da<br />

“democratização”, da inoculação de conhecimentos na população para o bem comum, sobre a<br />

importância de levar as luzes da racionalidade científica a um “mundo assombrado pelos<br />

demônios” da ignorância, do preconceito, da superstição 269 . Por outro lado, há uma nova<br />

narrativa de controle, em que as palavras-chave são diálogo, participação, engajamento<br />

público. <strong>As</strong> celebradas conferências de consenso são um exemplo em cores vivas da nova<br />

configuração, como os afrescos nas capelas renascentistas de S. Clemente, baseados em novos<br />

cálculos perspécticos e numa nova estética. Inventadas na Dinamarca na década de 1980, as<br />

consensus conferences permitem incluir o público e suas experiência no technology<br />

assessment, a avaliação do impacto de uma nova tecnologia. Trata-se de um diálogo entre<br />

experts e pessoas leigas que dura três dias e cujas recomendações finais são repassadas para o<br />

Parlamento, preenchendo o “gap entre especialistas, políticos e público” 270 .<br />

Em alguns casos, as Consensus Conferences causaram debates políticos importantes e<br />

desencadearam novas regulamentações, como a proibição de testes genéticos para contratação<br />

268 Para uma “genealogia do gap”, veja Bensaude-Vincent (2001).<br />

269 “O Mundo <strong>As</strong>sombrado pelos Demônios - A Ciência vista como uma vela no escuro” (São Paulo: Companhia das<br />

Letras, 1996) é o título de um livro célebre, um manifesto contra a superstição e a pseudociência, de autoria de Carl<br />

Sagan, astrônomo e um dos mais famosos divulgadores da ciência.<br />

270 O procedimento consiste em enviar um convite para mil cidadãos escolhidos de forma casual. Os que respondem<br />

passam por um processo de seleção em que, supostamente, se garante a diversidade de idade, educação, profissão,<br />

origem geográfica, gênero, e catorze destes participam da Conferência. Antes desta, os participantes se conhecem,<br />

durante um curso que dura dois finais de semana, em que podem informar-se sobre o tema a partir de material<br />

distribuído pelos organizadores da iniciativa. Durante o curso, os cidadãos participam da escolha de doze a quinze<br />

especialistas (de diversas áreas) e preparam as perguntas e questões sobre as quais versará a Conferência.<br />

http://www.co-intelligence.org/P-ConsensusConference1.html. Acesso em março de 2008.<br />

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