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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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A “tensão entre o capital e a sociedade” caracterizada pela propriedade intelectual<br />

(Villares, 2007), para pensar num exemplo atual, é uma tensão radical entre exigências e<br />

normas clássicas da ciência moderna (livre e total circulação de idéias; teorias e dados<br />

disponibilizados para o debate coletivo) e as exigências do capitalismo contemporâneo<br />

(enclosure e apropriação em nível molecular e informacional). É uma tensão que sempre<br />

existiu, mas que hoje se torna crucial justamente pela compenetração profunda entre<br />

tecnologia e ciência e entre estas e a expansão do capital.<br />

No entanto, o interesse destas faíscas não está somente no fato de que exemplificam o<br />

tema, clássico, das “contradições do capital”. Importante é também o fato de que elas tornam<br />

evidente o funcionamento dinâmico da <strong>tecnociência</strong> atual: sua necessidade e capacidade de<br />

reconfigurar-se em tempo real, reagindo, recuando, reformulando a si mesma.<br />

Olhar para os interstícios e os atritos pode permitir, talvez – esta seria minha última,<br />

mais tímida, suspeita – investigar se atitudes e comportamentos dos sujeitos, bem como o<br />

movimento dos rastros dividuais que cada um deixa circular nos fluxos da <strong>tecnociência</strong>, têm a<br />

potencialidade, quando incorporados e retroalimentados, de levar a microrupturas e<br />

reaxiomatizações no próprio corpo da <strong>tecnociência</strong>. Um acontecimento singular poderia<br />

ocorrer a partir de um polígono de microrupturas? Existe, para a <strong>tecnociência</strong>, o enunciado<br />

ainda não dito ou não pensado, o conjunto de dados ainda não incorporados, o fluxo de bits<br />

ainda não inserido, capazes de catalisar uma nova combinação no finito-ilimitado, de<br />

contribuir para que o composto de relações de forças prefigure uma nova forma-<br />

acontecimento?<br />

O formidável poder totalizador e individualizante da governamentalidade atual e o<br />

inédito poder de mobilização da <strong>tecnociência</strong> não significam que a atual conformação seja<br />

inelutável, ou que tenha tomado conta de tudo.<br />

Foucault foi interrogado muitas vezes sobre a questão da possibilidade de ação dos<br />

sujeitos. Sempre foi relutante em responder. Mas nunca respondeu com um não. Certa vez<br />

(veja, por ex., Rabinow, 1999: p. 46; grifos meus), comentou: “Talvez o alvo hoje em dia não<br />

seja descobrir o que somos, mas recusar o que somos. Temos que imaginar e construir o que<br />

poderíamos ser para nos livrar de uma ‘dupla obrigação’ política, que é a simultânea<br />

individualização e a totalização das modernas estruturas de poder [...]. Temos que promover<br />

capitalismo industrial – o setor privado, os negócios, a ciência, as cidades, a vida cotidiana etc. – são agora<br />

aprisionadas nas tempestades dos conflitos políticos da modernidade reflexiva” (Beck, 1997: p. 30, trad. e grifos meus).<br />

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