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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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no nível coletivo, em fenômenos emergentes que respondem a lógicas não coincidentes com<br />

os objetivos pretendidos ou planejados pelos agentes 304 .<br />

Mesmo entre aqueles pensadores que não são otimistas (como Smith) quanto às<br />

capacidades benéficas da auto-organização do livre-mercado, a idéia de que o comportamento<br />

individual pode levar a fenômenos coletivos imprevistos e não intencionais aparece<br />

freqüentemente. Muitas vezes os propósitos intencionais de nossa conduta e as conseqüências<br />

que essa produz não coincidem. Num nível macroscópico, os propósitos explícitos e<br />

planejados de uma instituição ou prática social podem não coincidir com seus efeitos na<br />

sociedade.<br />

Segundo Berger (1986: p. 49 segs.), o tema das conseqüências involuntárias e<br />

imprevistas das ações humanas na sociedade é central, por exemplo, na sociologia de Max<br />

Weber. O comportamento “mundanamente ascético” que Weber identifica em certos valores<br />

da ética protestante – e que teria relação com o surgimento do espírito do capitalismo – não<br />

fora pensado pelos protestantes para ter conseqüências econômicas.<br />

Para Robert Merton, os processos sociais costumam ter funções “manifestas” e funções<br />

“latentes”. Retomando a análise weberiana sobre a burocracia, Merton identifica e discute as<br />

conseqüências imprevistas (ou “disfunções”) da organização burocrática 305 . Anthony Giddens<br />

(1995), ainda, prefere falar em “conseqüências impremeditadas” para ressaltar como na alta<br />

modernidade e nas sociedades complexas a ignorância (inevitável) de todas as potencialidades<br />

e probabilidades leva à impossibilidade de premeditar e calcular as conseqüências de uma ação<br />

determinada.<br />

Diversos autores, em suma, partindo de pressupostos diferentes, enfatizam como a<br />

história não decorre necessariamente em conseqüência de idéias levadas a cabo, de propósitos,<br />

de planejamentos explícitos, de negociação e resolução de conflitos. Às vezes, efeitos<br />

304 Segundo Smith (A Riqueza das Nações, Livro 4, capítulo 2), um indivíduo geralmente tem em vista apenas sua<br />

própria segurança, seu próprio lucro, e não tem intenção de promover o interesse público. Apesar disso, ele é “guiado<br />

por uma mão invisível” a promover um fim que não fazia parte de sua intenção: ao buscar seu próprio interesse,<br />

freqüentemente ele promove o da sociedade de maneira mais eficiente do que quando realmente tem a intenção de<br />

promovê-lo. Smith, A. A Riqueza das Nações: Investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Abril<br />

Cultural, 1983.<br />

305 Segundo Weber, as conseqüências desejadas da burocracia consistem na previsibilidade do seu funcionamento e em<br />

obter a maior eficiência numa organização ou instituição. Para Merton, o próprio funcionamento da burocracia (suas<br />

regras, seu ethos, sua racionalidade) leva a conseqüências que não estavam contidas em seu projeto. Por exemplo: a<br />

internalização das regras burocráticas pelos funcionários, com conseqüente excessivo apego aos regulamentos e perda<br />

de flexibilidade; o excesso de formalismos e formulários; a resistência à mudança; a despersonalização no<br />

relacionamento.<br />

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