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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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interná-lo” 172 , também não era evidente e necessário a priori que o conhecimento verdadeiro,<br />

a partir do século XVII, devesse surgir da experiência dos olhos e das mãos, amplificados por<br />

instrumentos artificiais e integrados com a razão e a teoria. Muito pelo contrário: os cinco<br />

sentidos haviam sido considerados por muito tempo a principal fonte de engano e das falsas<br />

opiniões. Não era claro que, por ser experimental, o conhecimento dos filósofos naturais<br />

empiristas pudesse ser considerado neutral, objetivo e puro.<br />

Quando lemos no Novum Organum a afirmação de que nem a mão nua, nem o intelecto<br />

por si só têm muito poder, e que o trabalho é feito pelos instrumentos, entendemos que o<br />

discurso da verdade passou por uma ruptura importante 173 .<br />

3.6 A verdade do experimento e a pureza dos fatos<br />

A idéia de que uma ciência confiável é aquela que se baseia em fatos, e de que por fatos<br />

devem-se entender aqueles derivados de experiências empíricas, tem uma gênese sofrida no<br />

pensamento ocidental, e sua hegemonia é bastante recente.<br />

Até o séc. XVII, “conhecimento” e “ciência” eram, sim, vistos como separados da<br />

“opinião”, da “crença”. Mas “ciências” eram, in primis, a lógica e a geometria: chegava-se a<br />

uma verdade indiscutível por meio de uma rigorosa dedução a partir de axiomas.<br />

De fato, não somente as características da ciência mas até mesmo as regras que<br />

delimitam e identificam o discurso verdadeiro não são universais, mas historicamente dadas<br />

num campo de lutas e reconfigurações. Segundo Foucault (1996, OD), nem sempre a verdade<br />

foi pensada como a congruência entre algo existente objetivamente e alguma representação na<br />

mente ou na linguagem. Nem sempre a verdade foi fundada na adequação entre uma<br />

enunciação e uma realidade empírica. Por exemplo, escreve o filósofo, ainda nos poetas<br />

gregos do século VI a.C,<br />

o discurso verdadeiro […], pelo qual se tinha respeito e terror, aquele ao qual era<br />

preciso submeter-se, porque ele reinava, era o discurso pronunciado por quem de<br />

172 Veja também Cap. 2.<br />

173 “Neither the bare hand nor the unaided intellect has much power; the work is done by tools […]”: “Nem a mão nua<br />

nem o intelecto, deixados a si mesmos, logram muito. Todos os feitos se cumprem com instrumentos e recursos<br />

auxiliares, de que dependem, em igual medida, tanto o intelecto quanto as mãos. <strong>As</strong>sim como os instrumentos<br />

mecânicos regulam e ampliam o movimento das mãos, os da mente aguçam o intelecto (Bacon, 1997 [1620]: Livro I,<br />

Aforismo II).<br />

179

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