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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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importante.<br />

Na visão tecnocrática (a <strong>tecnociência</strong> de disciplina), as decisões devem ser tomadas<br />

pelos políticos informados pelos especialistas, e o público é visto tipicamente como um<br />

obstáculo a ser educado e tornado dócil. Na governamentalidade atual (a <strong>tecnociência</strong> do<br />

controle), as decisões em âmbito tecnocientífico continuam sendo tomadas (de forma<br />

predominante) pelos especialistas, aliás, por sistemas especialistas 280 semi-automáticos,<br />

programados para trabalhar para a aceleração e em função do regime de veridicção do tribunal<br />

econômico permanente. Mas a opinião pública, retoricamente, já não é como um obstáculo e,<br />

sim, como um precioso input adicional para o sistema especialista. Mudança pequena, porém<br />

significativa, porque sintoma de que, de alguma forma, a questão do governo é<br />

problematizada 281 e é percebido um atrito (rotulado, por exemplo, como “crise de<br />

legitimação”): o consenso “tornou-se uma categoria problemática na governance<br />

contemporânea” (Irwin, 2006: p. 317). Embora as iniciativas de engajamento, por si mesmas,<br />

possam ser marginais, “as questões com que elas lidam não são” (Irwin, ibidem) 282 .<br />

Se na constituição da <strong>tecnociência</strong> atual estão ainda ativas camadas, enunciações e<br />

práticas de disciplina (em que a ciência é um bem-em-si e a <strong>tecnociência</strong> é desejável e<br />

inevitável), ao mesmo tempo a recombinação neoliberal abre falhas tectônicas ligadas à<br />

legitimação social e a performances para a manutenção da confiança e a contínua renovação<br />

da delegação. Os mesmos elementos que estão na base da inevitabilidade da <strong>tecnociência</strong><br />

(seu conectar-se com a imanência das coisas, sua auto-regulação com base em dados<br />

empíricos, sua reticularidade, sua ligação com a governamentalidade e o cuidado de si dos<br />

sujeitos), conseguem despolitizar a tecnologia e invisibilizar ou neutralizar os antagonismos,<br />

mas, ao mesmo tempo, só funcionam através da abertura de fluxos, de canais de diálogo e<br />

de escuta, da desterritorialização, da invenção incessante de alternativas potenciais.<br />

280 Literalmente, um sistema especialista é um programa de computador capaz de resolver problemas complexos (por<br />

exemplo, diagnosticar doenças, regular o tráfego aéreo, demonstrar ou inventar teoremas matemáticos) a partir de uma<br />

base de informações e de um conjunto de regras de inferência. A área dos expert systems é uma das mais antigas e<br />

importantes da disciplina da Inteligência Artificial. Para detalhes, Castelfranchi (2003: p. 113 segs).<br />

281 Como foi problematizada na época do surgimento da Razão de Estado, do afirmar-se da disciplina e, mais tarde,<br />

com o aparecer da biopolítica e das sociedades de segurança: cap. 2.<br />

282 No entanto, para Irwin, a pergunta é se “a situação atual reapresenta um momento passageiro antes que as<br />

perspectivas neoliberais se re-imponham” ou se, de fato, seria um passo à frente rumo a “um processo mais aberto de<br />

gestão e avaliação social” da C&T. Acredito que a discussão que fiz até aqui mostra que esta é uma falsa questão:<br />

passageiros ou não que sejam estes exercícios de poder e suas vestimentas retóricas, eles fazem parte integrante,<br />

coerente, da governamentalidade neo-liberal: não se trata de algo que acontece “antes que a perspectiva neo-liberal”<br />

volte a predominar, mas justamente de uma coagulação (entre várias possíveis) da própria <strong>tecnociência</strong> neoliberal.<br />

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