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de Investigadores em leitura - Universidade do Minho

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Neste contexto se enten<strong>de</strong>m, e se sublinham, as palavras <strong>de</strong> Orlanda Azeve<strong>do</strong> que,<br />

na sua obra As Metamorfoses <strong>do</strong> Corpo e a Probl<strong>em</strong>atização da I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, refere que “o<br />

distanciamento entre o sujeito e a sua imag<strong>em</strong> po<strong>de</strong>rá sinalizar a não-coincidência entre a<br />

sua imag<strong>em</strong> real e a sua imag<strong>em</strong> i<strong>de</strong>al” (Azeve<strong>do</strong>, 2003: 32).<br />

Ora, como António Damásio <strong>de</strong>monstrou <strong>em</strong> O Sentimento <strong>de</strong> Si, “a i<strong>de</strong>ia que cada um<br />

<strong>de</strong> nós elabora acerca <strong>de</strong> si mesmo, a imag<strong>em</strong> que gradualmente construímos <strong>de</strong> qu<strong>em</strong><br />

somos física e mentalmente, e <strong>do</strong> nosso estatuto social (…)” <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> “uma gran<strong>de</strong><br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> factores: traços <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> inatos e adquiri<strong>do</strong>s, inteligência,<br />

conhecimento, meio ambiente social e cultural” (Damásio, 2000: 259).<br />

A ser assim, parece-me que, no caso <strong>de</strong> Catarina, tal como no <strong>de</strong> outras personagens<br />

a<strong>do</strong>lescentes que, nas obras <strong>em</strong> estu<strong>do</strong>, conceb<strong>em</strong> uma imag<strong>em</strong> claramente disfórica <strong>de</strong> si,<br />

é justamente, e <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à acção exercida pelo ambiente social e cultural<br />

nos sujeitos <strong>em</strong> formação que tal acontece, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>an<strong>do</strong> nas personagens naturais<br />

movimentos <strong>de</strong> inaceitação e <strong>de</strong> auto-rejeição.<br />

Com efeito, a não-aceitação <strong>de</strong> si passa, no caso da protagonista <strong>de</strong> Dietas e<br />

Borbulhas, pela rejeição <strong>do</strong> corpo que se possui e pela consequente i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong> corpo<br />

que se <strong>de</strong>seja possuir. Por isso, o sujeito já não consegue olhar-se ao espelho, assumin<strong>do</strong><br />

esse gesto o valor <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>sistência: “- Eu já há muito t<strong>em</strong>po que <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> olhar para o<br />

espelho” (DB, 23).<br />

De facto, ver-se ao espelho incomoda e causa frustração porque a imag<strong>em</strong> reflectida<br />

não se coaduna com a representação mental i<strong>de</strong>alizada <strong>de</strong> si próprio(a). É, pois, preferível<br />

não-ver, neste contexto, porque ver agudizaria inevitavelmente a <strong>do</strong>r que se procura ocultar<br />

(<strong>de</strong> si próprio).<br />

Pelo contrário, <strong>em</strong> Diário Secreto <strong>de</strong> Camila, a protagonista atreve-se a observar a sua<br />

imag<strong>em</strong> corporal reflectida no espelho da sala, mas esse gesto auto-cont<strong>em</strong>plativo também<br />

causa revolta no sujeito-observa<strong>do</strong>r, tal como o seu discurso retrospectivo e analítico <strong>de</strong>ixa<br />

perceber:<br />

Quan<strong>do</strong> tocou o <strong>de</strong>sperta<strong>do</strong>r já estava <strong>em</strong> pé a experimentar roupa, furiosa porque as<br />

minhas calças preferidas não me serviam. Consegui correr o fecho a muito custo mas<br />

<strong>de</strong>pois não conseguia respirar e sentia-me «repuxada <strong>em</strong> ganga». Fui para a sala ver-me ao<br />

espelho e ia morren<strong>do</strong>! As pernas pareceram-me <strong>do</strong>is chouriços mal amanha<strong>do</strong>s com uns<br />

papos horrorosos cá <strong>em</strong> cima. Virei-me <strong>de</strong> la<strong>do</strong>, <strong>de</strong> costas, e cada ângulo era pior <strong>do</strong> que o<br />

anterior. Que rabão! Só não chorei <strong>de</strong> raiva porque apareceu a minha mãe, que não t<strong>em</strong><br />

paciência nenhuma para lágrimas, diz s<strong>em</strong>pre que são parvoíces da ida<strong>de</strong> e outras coisas<br />

irritantes. Mas, s<strong>em</strong> querer resmunguei:<br />

- Estou gordíssima. (DSC, 12,13)<br />

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