20.04.2013 Views

de Investigadores em leitura - Universidade do Minho

de Investigadores em leitura - Universidade do Minho

de Investigadores em leitura - Universidade do Minho

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O corpo assim percepciona<strong>do</strong> parece, aos olhos <strong>de</strong> um sujeito inquieto e inquiri<strong>do</strong>r,<br />

estranhamente disforme e grotesco, conforme se assume num discurso inflama<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

primeira pessoa: “As pernas pareceram-me <strong>do</strong>is chouriços mal amanha<strong>do</strong>s” e “Que rabão!|”.<br />

À s<strong>em</strong>elhança <strong>de</strong> Catarina, Camila focaliza o seu olhar <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminadas partes <strong>do</strong> seu<br />

corpo, sublinhan<strong>do</strong> o probl<strong>em</strong>a da “constituição da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre fragmentação e<br />

unida<strong>de</strong>” (Azeve<strong>do</strong>, 2003: 119) que se coloca ao sujeito neste caso concreto, mas também,<br />

inevitavelmente, nas restantes obras <strong>em</strong> estu<strong>do</strong>, que, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra,<br />

narrativizam a cisão <strong>do</strong> sujeito enunciativo <strong>em</strong> fase <strong>de</strong> crescimento.<br />

Assim, e especificamente nesta obra, a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> entre o eu e a sua imag<strong>em</strong><br />

produz um efeito <strong>de</strong> estranheza no sujeito, que dá conta <strong>de</strong>ssa perturbação através <strong>de</strong> um<br />

registo coloquial consubstancia<strong>do</strong> na comparação pernas/chouriços e no léxico <strong>de</strong> cariz<br />

familiar ou popular: “mal amanha<strong>do</strong>s” e “rabão”. Tal estratégia discursiva visa claramente<br />

reforçar a <strong>de</strong>solação <strong>do</strong> sujeito-observa<strong>do</strong>r <strong>em</strong> face <strong>de</strong> si e da sua imag<strong>em</strong> corporal,<br />

<strong>de</strong>solação essa reforçada no discurso interior <strong>do</strong> sujeito pela perífrase verbal “ia morren<strong>do</strong>”.<br />

A não-aceitação <strong>de</strong> si e <strong>do</strong> seu corpo é, aliás, intensificada pelo <strong>de</strong>sejo íntimo <strong>de</strong><br />

chorar <strong>de</strong> raiva, ímpeto todavia controla<strong>do</strong> por Camila por se sentir observada pela mãe: “Só<br />

não chorei <strong>de</strong> raiva porque apareceu a minha mãe, que não t<strong>em</strong> paciência nenhuma para<br />

lágrimas”.<br />

O olhar <strong>do</strong> outro, neste caso da mãe, é um olhar distancia<strong>do</strong> e crítico, senti<strong>do</strong> pelo<br />

leitor (adulto?) como o <strong>de</strong> alguém que apresenta uma racionalida<strong>de</strong> e uma objectivida<strong>de</strong> que<br />

escapam ao ser apaixona<strong>do</strong> que se observa <strong>em</strong> <strong>de</strong>salento. Na verda<strong>de</strong>, a mãe respon<strong>de</strong> às<br />

angústias <strong>de</strong> Camila com um frio “Que disparate!”, segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma explicação <strong>de</strong> carácter<br />

generalista mas que t<strong>em</strong>, a meu ver, a intenção pedagógica <strong>de</strong> elevar a auto-estima da filha,<br />

mostran<strong>do</strong>-lhe que as mudanças <strong>em</strong> si operadas faz<strong>em</strong> parte <strong>do</strong> processo natural <strong>de</strong><br />

crescimento: “Um adulto, por muito magro que seja, não veste roupas <strong>de</strong> criança!”. Camila,<br />

contu<strong>do</strong>, não se <strong>de</strong>ixa convencer e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> não “comer quase nada nos próximos quinze<br />

dias.” (DSC, 13).<br />

As estratégias comportamentais encontradas - o jejum e o excesso <strong>de</strong> exercício físico<br />

– <strong>de</strong>nunciam uma crescente obsessão com a imag<strong>em</strong> e com o corpo, para o que concorre o<br />

facto <strong>de</strong> as suas melhores amigas e a própria mãe funcionar<strong>em</strong> como mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> elegância<br />

e <strong>de</strong> perfeição, tal como Camila assume <strong>em</strong> discurso introspectivo, fazen<strong>do</strong> activar o<br />

mecanismo retórico da interrogação:<br />

A minha mãe é <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> perfeita mas sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> equilibrada. (…) Po<strong>de</strong><br />

comer o que quiser e não engorda (…) Então por que raio é que eu nasci assim? Por que é<br />

que saí completamente diferente? (DSC, 27 -28)<br />

218

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!