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de Investigadores em leitura - Universidade do Minho

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1. Introdução<br />

Em 4 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1912, no jornal A Capital, aparecia um longo e polémico artigo<br />

<strong>de</strong> Afonso Lopes Vieira, intitula<strong>do</strong> "As nossas creanças", acompanha<strong>do</strong> da reprodução <strong>de</strong><br />

um <strong>de</strong>senho inédito <strong>de</strong> Raul Lino com um projecto <strong>de</strong> escola primária. Em larga medida, a<br />

escrita <strong>do</strong> artigo parece ter si<strong>do</strong> induzida pela tristeza resultante da inconclusiva visita <strong>de</strong><br />

cortesia feita pelo escritor e o arquitecto ao Presi<strong>de</strong>nte da República <strong>de</strong> então, Manuel <strong>de</strong><br />

Arriaga, para lhe oferecer<strong>em</strong> um ex<strong>em</strong>plar <strong>do</strong>s Animais Nossos Amigos [ANA], publica<strong>do</strong> no<br />

Natal <strong>do</strong> ano anterior, e para o convencer<strong>em</strong> a impl<strong>em</strong>entar a construção <strong>de</strong> escolas<br />

primárias segun<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo tradicionalista e regionalista que o <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> Raul Lino<br />

permitiria concretizar1. A uma fase <strong>de</strong> euforia construtiva, o escritor reagia criticamente, incomoda<strong>do</strong> com a<br />

distância a que o impl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> medidas concretas para a educação nacional ficava <strong>do</strong><br />

i<strong>de</strong>al — a 'crença profunda' <strong>de</strong>monstrada nas crianças, unicos cidadãos immacula<strong>do</strong>s da<br />

terra portuguesa. Vale a pena recordar as quatro teses <strong>em</strong> que o seu pensamento se vai<br />

expandir — <strong>em</strong>bora o autor soubesse que corriam o risco <strong>de</strong> parecer <strong>do</strong>gmaticas e pedantes<br />

[art. cit.] — sobretu<strong>do</strong> por tu<strong>do</strong> aquilo que nelas transparece <strong>de</strong> diálogo com o queixume <strong>de</strong><br />

Eça <strong>de</strong> Queirós na bastante conhecida Carta <strong>de</strong> Inglaterra <strong>de</strong>dicada à "Literatura <strong>de</strong> Natal".<br />

Nesse texto, Eça dava-se conta da ausência <strong>de</strong> uma literatura <strong>de</strong>dicada à infância <strong>em</strong><br />

Portugal e <strong>do</strong> pouco cuida<strong>do</strong> dispensa<strong>do</strong> no nosso país às questões educativas relativas à<br />

infância2.<br />

Leiam-se as teses <strong>de</strong> Lopes Vieira como uma tentativa <strong>de</strong> resposta às feridas<br />

apontadas pelo atento Eça no final <strong>do</strong> séc. XIX:<br />

1.º — As creanças portuguezas, possuin<strong>do</strong> uma intelligencia vivissima e uma aptidão<br />

brilhante, auctorisam-nos a esperar os mais brilhantes resulta<strong>do</strong>s — <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>diqu<strong>em</strong>os<br />

a mais carinhosa attenção ao probl<strong>em</strong>a da sua educação. Urgia, para isso, que uma larga<br />

1 Virgínia <strong>de</strong> Castro e Almeida escreve uma "Chronica Literaria" <strong>em</strong> que, julgamos, se refere a esta <strong>de</strong>silusão<br />

como uma motivação para e um <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>a<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar um programa vira<strong>do</strong> para a vertente educativa<br />

das crianças: Imagino que esse artigo ["As nossas creanças"?] foi dicta<strong>do</strong> pela reacção <strong>do</strong> seu espírito <strong>de</strong>pois da<br />

gran<strong>de</strong> tristeza causada pelo que, a pouco e pouco, lhe pareceu o <strong>de</strong>sabar <strong>de</strong> um sonho… § […] Per<strong>de</strong>u a fé nos<br />

que dirig<strong>em</strong> os nossos <strong>de</strong>stinos e voltou-se, to<strong>do</strong> fr<strong>em</strong>ente, para o futuro. § […] § E o poeta (cuja patria era o<br />

mun<strong>do</strong> e cuja b<strong>em</strong>-amada era a Natureza) renuncia <strong>de</strong> repente aos seus extasis <strong>em</strong> frente <strong>do</strong> infinito e curva-se<br />

cheio <strong>de</strong> solicitu<strong>de</strong> e <strong>de</strong> amor para as creanças da sua terra. (Almeida, [1912]: R, I: f. 90v.).<br />

2 O texto <strong>de</strong> Eça é sobejamente conheci<strong>do</strong>, mas talvez valha a pena recordá-lo nos pontos que mais<br />

directamente nos interessam: […] A França possui também uma literatura tão rica e útil como a <strong>de</strong> Inglaterra;<br />

mas essa Portugal não a importa: livros para completar a mobília, sim; para educar o espírito, não. § A Bélgica, a<br />

Holanda, a Al<strong>em</strong>anha, prodigalizam estes livros para crianças; na Dinamarca, na Suécia, eles são uma glória da<br />

literatura e uma das riquezas <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>. § Em Portugal nada. § Eu às vezes pergunto a mim mesmo o que é<br />

que <strong>em</strong> Portugal lê<strong>em</strong> as pobres crianças. Creio que se lhes dá Filinto Elísio, Garção, ou outro qualquer <strong>de</strong>sses<br />

mazorros sensaborões, quan<strong>do</strong> os infelizes mostram inclinação pela <strong>leitura</strong>. § Isto é tanto mais atroz quanto a<br />

criança portuguesa é excessivamente viva, inteligente e imaginativa. Em geral, nós outros os portugueses só<br />

começamos a ser idiotas — quan<strong>do</strong> chegamos à ida<strong>de</strong> da razão. Em pequenos t<strong>em</strong>os to<strong>do</strong>s uma pontinha <strong>de</strong><br />

génio: e estou certo que se existisse uma literatura infantil como a da Suécia ou da Holanda, para citar só países<br />

tão pequenos como o nosso, erguer-se-ia consi<strong>de</strong>ravelmente entre nós o nível intelectual.[…] (Queirós, sd.: 526).<br />

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