20.04.2013 Views

de Investigadores em leitura - Universidade do Minho

de Investigadores em leitura - Universidade do Minho

de Investigadores em leitura - Universidade do Minho

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Vi um programa <strong>de</strong> televisão que nunca posso ver porque a minha mãe acha idiota.<br />

Mas o melhor <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> foi po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>spir-me na sala para me ver nua no espelho gran<strong>de</strong> e<br />

ainda por cima gostei <strong>do</strong> que vi. (DSC, 31).<br />

A imag<strong>em</strong> reflectida pela superfície reflectora é <strong>de</strong>sta feita percepcionada <strong>de</strong> forma<br />

positiva. Na realida<strong>de</strong>, o sujeito que se olha ao espelho e se <strong>de</strong>scobre outro é agora um<br />

sujeito satisfeito com o seu (novo) corpo e a sua (nova) imag<strong>em</strong>, sen<strong>do</strong> que, neste contexto,<br />

o corpo f<strong>em</strong>inino nu surge naturalmente evoca<strong>do</strong> no discurso da personag<strong>em</strong> e plasma<strong>do</strong> na<br />

tessitura narrativa s<strong>em</strong> qualquer constrangimento ou pu<strong>do</strong>r. Sinal <strong>do</strong>s t<strong>em</strong>pos, a literatura <strong>de</strong><br />

potencial recepção juvenil finissecular incorpora <strong>de</strong>sta forma, com total frontalida<strong>de</strong> e<br />

naturalida<strong>de</strong>, este e outros t<strong>em</strong>as, como o da sexualida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s tabu pelo Antigo<br />

Regime e pela mentalida<strong>de</strong> conserva<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>minante nesse perío<strong>do</strong> incontornável da nossa<br />

História colectiva.<br />

2. O corpo f<strong>em</strong>inino (a)<strong>de</strong>scoberto: nu<strong>de</strong>z, f<strong>em</strong>inilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sejo<br />

Em face da imag<strong>em</strong> <strong>do</strong> seu corpo <strong>de</strong> mulher, que o espelho inesperadamente lhe<br />

<strong>de</strong>volve, Camila, a protagonista <strong>do</strong> Diário Secreto, manifesta interiormente a satisfação <strong>de</strong><br />

nele reconhecer os traços f<strong>em</strong>ininos que ambicionara possuir:<br />

Parece mentira mas é verda<strong>de</strong>, não me achei nada gorda. Estive séculos a observarme<br />

<strong>de</strong> frente, <strong>de</strong> costas, <strong>de</strong> perfil. Não tenho papos nas pernas, a cintura está b<strong>em</strong> marcada,<br />

o <strong>de</strong>senho das ancas pareceu-me bonito e a curvatura <strong>do</strong> rabo também. Não há dúvida que<br />

o peito cresceu e está rijo, com bicos <strong>de</strong> um cor-<strong>de</strong>-rosa mais acentua<strong>do</strong>. Não tenho barriga.<br />

Também não há dúvida que o triângulo dá graça ao corpo, é uma espécie <strong>de</strong> marca a<br />

indicar «mulher». (DSC, 31).<br />

A nu<strong>de</strong>z e a f<strong>em</strong>inilida<strong>de</strong>, t<strong>em</strong>as que já se encontravam <strong>em</strong> O Diário <strong>de</strong> Sofia & Cª,<br />

publica<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1994, ou seja, cinco anos antes <strong>do</strong> Diário Secreto <strong>de</strong> Camila, são aqui<br />

aborda<strong>do</strong>s com naturalida<strong>de</strong>, numa linguag<strong>em</strong> clara e <strong>de</strong>spu<strong>do</strong>rada, <strong>de</strong>sfazen<strong>do</strong>, aliás como<br />

acontecera anteriormente com a obra <strong>de</strong> Ducla Soares, um <strong>do</strong>s tabus mais vinca<strong>do</strong>s na<br />

socieda<strong>de</strong> portuguesa <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os t<strong>em</strong>pos.<br />

Na verda<strong>de</strong>, a passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> criança-a<strong>do</strong>lescente a mulher é auto-percepcionada,<br />

através <strong>de</strong> um exercício <strong>de</strong> ensimesmamento e auto-cont<strong>em</strong>plação, como uma conquista. É<br />

a jov<strong>em</strong>, ela própria, que se vê ao espelho e se <strong>de</strong>scobre Outra. Observar, na superfície<br />

reflectora, o seu corpo <strong>de</strong>spi<strong>do</strong>, <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os ângulos, <strong>de</strong>moradamente e longe <strong>do</strong>s olhares<br />

<strong>do</strong>s outros, e aten<strong>de</strong>r aos pormenores <strong>em</strong> que nunca antes reparara provocam no sujeito<br />

uma reacção positiva, tal como, <strong>em</strong> registo monologal e retrospectivo, a protagonista<br />

assinala: “gostei <strong>do</strong> que vi”, “não me achei nada gorda”, “o <strong>de</strong>senho das ancas pareceu-me<br />

bonito e a curvatura <strong>do</strong> rabo também”.<br />

221

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!