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de Investigadores em leitura - Universidade do Minho

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Quebra-se a barreira que separa a realida<strong>de</strong> da fantasia e, por isso, uma gran<strong>de</strong><br />

parte das personagens <strong>do</strong>s contos e das histórias <strong>de</strong> An<strong>de</strong>rsen são objecto da realida<strong>de</strong><br />

concreta e quotidiana que se animam para revelar o espírito <strong>do</strong>s “simples” – isto é, o<br />

espírito <strong>do</strong>s que viv<strong>em</strong> pelas <strong>em</strong>oções <strong>do</strong> coração, tão alheias às forças da razão. É <strong>de</strong><br />

toda a justiça consi<strong>de</strong>rar H. C. An<strong>de</strong>rsen o escritor da sensibilida<strong>de</strong>, valor, como se sabe,<br />

exalta<strong>do</strong> pelo Romantismo.<br />

Também os espaços <strong>em</strong> que <strong>de</strong>corr<strong>em</strong> os acontecimentos diegéticos são muito<br />

frequent<strong>em</strong>ente familiares à criança e são-nos <strong>de</strong>scritos <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>talhada,<br />

manifestan<strong>do</strong>-se uma viva atenção ao pormenor e ao característico. Facilmente se<br />

reconhece a distância que separa esta sintaxe narrativa <strong>do</strong> discurso mais imediato que<br />

caracteriza a literatura tradicional oral.<br />

A valorização <strong>do</strong> característico é também um pressuposto fundamental da poética<br />

romântica e que mais uma vez a opõe às poéticas clássicas que postulavam a primazia <strong>do</strong><br />

belo. Victor Hugo é b<strong>em</strong> claro quan<strong>do</strong> afirma:<br />

“Si le poète <strong>do</strong>it choisir dans les choses (et il le <strong>do</strong>it), ce n’est pas le beau, mas le<br />

caractéristique.” 33<br />

Como se vê, a renovação proposta pela teoria hugoliana consiste na escolha não <strong>do</strong><br />

que é belo, como preconizava a poética aristotélica, mas <strong>do</strong> que é característico. É assim<br />

que se valoriza a chamada cor local, conseguida pela imitação <strong>do</strong> que é característico.<br />

Este é, como se disse, um aspecto essencial à literatura romântica, na qual da natureza<br />

transfigurada pela "varinha <strong>de</strong> condão da arte", apenas se conserva o característico, isto é,<br />

a cor local profunda. É esta que permite ao poeta reconduzir toda a personag<strong>em</strong> "ao seu<br />

traço mais saliente, mais individual e mais preciso."<br />

Este aspecto manifesta-se variadíssimas vezes na obra <strong>do</strong> contista dinamarquês,<br />

nomeadamente nas diversas <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> lugares <strong>de</strong> Copenhaga.<br />

Vamos ler apenas um ex<strong>em</strong>plo <strong>em</strong> que se <strong>de</strong>screve a entrada <strong>do</strong> hospital <strong>de</strong>sta<br />

cida<strong>de</strong>:<br />

“To<strong>do</strong> o copenhaguês sabe como é a entrada para o Hospital <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico, <strong>em</strong><br />

Copenhaga, mas provavelmente também como alguns não-copenhaguenses lerão esta<br />

história, t<strong>em</strong>os <strong>de</strong> dar uma <strong>de</strong>scrição curta.<br />

O hospital está separa<strong>do</strong> da rua por uma gra<strong>de</strong> razoavelmente alta, na qual os ferros<br />

grossos estão tão afasta<strong>do</strong>s uns <strong>do</strong>s outros que se conta que os candidatos muito<br />

pesa<strong>do</strong>s ficaram presos entre eles e assim terminaram as suas pequenas visitas. A parte<br />

<strong>do</strong> corpo que mais vulgarmente falhava <strong>em</strong> pôr-se <strong>de</strong> fora era a cabeça. Aqui, como<br />

32<br />

Id., Ibi<strong>de</strong>m, p.503.<br />

33<br />

HUGO, Victor, Préface <strong>de</strong> Cromwell, Paris, Librairie Larousse, 1972, p.84<br />

235

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