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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO<br />
Quem conhece a Administração Pública Nacional, principalmente nós,<br />
membros do Poder Judiciário, entende o sentido destas indagações.<br />
Não creio que, se o Ministério Público se desse ao trabalho de examinar<br />
atentamente tais documentos, e o juiz de analisá-los antes de proferir o despacho de<br />
recebimento da denúncia (na verdade, uma decisão), esse infindável número de ações<br />
penais fundadas em tais propósitos fizessem tanta fortuna em sede penal. E, se nós,<br />
juízes de Segundo Grau, e também os juízes dos Tribunais Superiores, nos déssemos<br />
ao mesmo trabalho, não tenho dúvida de que tais ações penais não teriam prosperado,<br />
por chegarem ao seu destino fora dos trilhos do “devido processo legal” e do respeito<br />
que se deve ao “amplo direito de defesa”.<br />
Supor que a atividade fiscalizatória da Administração Pública, direta e<br />
indireta, está “acima do bem e do mal” é algo que a experiência desmente, pelos<br />
escândalos, fiscais e não-fiscais, que abalam a máquina governamental.<br />
Esses documentos, que não se prestam para fundamentar uma execução<br />
fiscal - para o que dependeriam os valores neles referidos ser inscritos na Dívida<br />
Ativa - vêm se prestando para alicerçar a supressão temporária da liberdade<br />
individual, como acontece em muitos casos em que o juiz determina a prisão<br />
administrativa do acusado. Aliás, tais decisões, quando cumpridas à risca,<br />
determinam, quase sempre, a falência antecipada da sociedade. A falência da empresa,<br />
que para a Previdência Social representa apenas a eliminação de uma partícula ínfima<br />
da sua infindável fonte de receitas, significa para os empregados, diretamente, a<br />
supressão do seu emprego, e, conseqüentemente, do seu meio de sobrevivência,<br />
além de que a eliminação de inúmeros empregos dependem indiretamente dela.<br />
Observo, com grande tristeza, como juiz e como cidadão, que muitos atos<br />
que os nossos agentes públicos condenavam por ocasião da Ditadura Militar são<br />
repetidos com tal profundidade que as restrições do período ditatorial perto deles são<br />
insignificantes: veja-se, a propósito, as medidas provisórias, em relação aos antigos<br />
decretos-leis, bem assim as restrições impostas por medidas provisórias à concessão<br />
de provimentos jurisdicionais de urgência em face do Poder Público. Antes, na ditadura,<br />
proibia-se a concessão de habeas corpus por crimes políticos, o que era odioso; agora,<br />
proíbe-se a concessão de liminares em face do Poder Público, o que é igualmente<br />
odioso. Onde as diferenças? Antes, restrições envolvendo direitos do cidadão, impostas<br />
por ato institucional, agora, restrições envolvendo igualmente direitos do cidadão,<br />
impostas por medida provisória. Naquele tempo, restrições no interesse de um Estado<br />
totalitário, neste tempo, restrições no interesse de um Estado neoliberal.<br />
Rev. jurisprud. Trib. Reg. Fed. 2. reg. v. 10, n. <strong>33</strong>, p. 1-<strong>33</strong>9, jan./mar. 2002