19.04.2013 Views

O PCP e a guerra fria.pdf - RUN UNL - Universidade Nova de Lisboa

O PCP e a guerra fria.pdf - RUN UNL - Universidade Nova de Lisboa

O PCP e a guerra fria.pdf - RUN UNL - Universidade Nova de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Mas mesmo enquanto se mantinham com os pais, particularmente a partir da<br />

altura em que eram um pouco mais crescidas, os cuidados conspirativos, expressos num<br />

caudal precoce <strong>de</strong> conselhos e advertências, moldavam um quadro <strong>de</strong> crescimento no<br />

meio <strong>de</strong> receios e cuidados que por mais fundados que fossem dificilmente <strong>de</strong>ixariam <strong>de</strong><br />

gerar <strong>de</strong>sequilíbrios.<br />

“Três anos na clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> significa <strong>de</strong>scobrir a vida a abrir-se para ela<br />

através <strong>de</strong> um mundo <strong>de</strong> experiências, <strong>de</strong> um mundo <strong>de</strong> experiências, que os meninos cá<br />

<strong>de</strong> fora nunca sonhariam (…).<br />

(…) uma marca in<strong>de</strong>lével paira no sol a sol do lar clan<strong>de</strong>stino. A criança<br />

dorme, <strong>de</strong>sperta, brinca, <strong>de</strong>sabrocha e cresce e é aquele ambiente frustrado, ambiente<br />

<strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> que ela respira; nele mergulham as suas raízes” 1519 , reconhece,<br />

ficcionando Luísa Costa Dias, companheira <strong>de</strong> Pedro Soares.<br />

O espectro da vigilância policial que se po<strong>de</strong>ria estar a exercer sobre a casa,<br />

como o receio <strong>de</strong> que com a ida<strong>de</strong> a criança pu<strong>de</strong>sse involuntária e ingenuamente contar<br />

<strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> uma vida familiar que rapidamente se configurariam como suspeita,<br />

<strong>de</strong>terminavam as duras medidas <strong>de</strong> separação familiar das crianças, para serem<br />

entregues a avós, tios ou outros parentes e amigos.<br />

Um caso com características diferentes foi o <strong>de</strong> Joaquim e Catarina Rafael, cuja<br />

filha Mariana, que nasceu na clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, se manteve com os pais até aos dois anos<br />

e meio para ser entregue aos avós, mas vindo a regressar aos 7 e aí se mantendo até aos<br />

17 1520 , ajudando por muitos anos nos trabalhos da tipografia.<br />

No caso dos militantes solteiros, o processo <strong>de</strong> funcionalização implicava que<br />

uma militante ou simpatizante fosse convidada para passar à clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, com o<br />

objectivo <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stacada para uma casa do partido a constituir. A abordagem era feita<br />

directamente, como refere Francisco Martins Rodrigues – “«Olha, queres ir para a<br />

clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, viver com um camarada? Se vocês se enten<strong>de</strong>rem, pois ficam juntos,<br />

senão, pois tudo bem, separam-se». Havia mulheres que aceitavam e sei que em alguns<br />

casos até funcionou. Noutros não funcionava e o partido tinha <strong>de</strong> unir e separar” 1521<br />

Em 1955, José Carlos, <strong>de</strong> Santiago do Cacém, já funcionário, regressa<br />

clan<strong>de</strong>stinamente à sua terra e alicia três jovens operárias corticeiras e activistas do<br />

MUD Juvenil, filhas <strong>de</strong> um velho militante local, que num curto espaço <strong>de</strong> seis meses<br />

passam à clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>.<br />

1519 Maria Luísa Costa Dias, Instantâneos, in Crianças emergem da sombra, <strong>Lisboa</strong>, Edições Avante!, 1982, p. 37<br />

1520 Cf. Dei o que pu<strong>de</strong> e o que soube ao meu Partido, in Gina <strong>de</strong> Freitas, A força ignorada… p. 48<br />

1521 Francisco Martins Rodrigues, História <strong>de</strong> uma vida…, pp 28-29<br />

633

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!