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O PCP e a guerra fria.pdf - RUN UNL - Universidade Nova de Lisboa

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A origem dos militantes tanto era dos meios operários e populares com longa<br />

tradição e experiência <strong>de</strong> luta, como <strong>de</strong> meios conservadores e tradicionalmente<br />

católicos, como eram as zonas do norte e centro do país. Coexistiam, e resistiam,<br />

valores e concepções que <strong>de</strong>moravam longamente a serem vencidas ou ultrapassadas.<br />

Uma parte dos militantes do partido, mantinha efectivamente antigas e profundas<br />

convicções religiosas, fruto <strong>de</strong> uma educação e <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> fortemente marcada<br />

pela influência, directa ou indirecta, da Igreja. Álvaro Cunhal em Até amanhã,<br />

camaradas aborda justamente esta situação, num quadro <strong>de</strong> queda como era a prisão e a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistir à polícia, pondo em diálogo duas racionalida<strong>de</strong>s que acabavam<br />

por se confrontar no interior do próprio partido:<br />

“O investigador convenceu-se <strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong> que Pereira tinha feito marcha<br />

atrás, quando lhe trouxeram a notícia <strong>de</strong> que Ramos tinha sido abatido á porta da sua<br />

casa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o ter lá ido procurar. Interrogado e espancado nos últimos dias para<br />

dizer se mais alguém além <strong>de</strong> Vaz e António iam lá a casa, Pereira negara<br />

teimosamente. E mesmo <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong> Ramos, citando-lhe o investigador o nome,<br />

continuou a negar.<br />

Foi então que chamaram Conceição para a esmurrar e insultar.<br />

Depois da acareação, à noite, já com o filho adormecido, Conceição fizera as<br />

suas orações. Entre elas a seguinte: «Virgem Maria, Senhora Imaculada, livrai o meu<br />

companheiro da tentação <strong>de</strong> trair os seus companheiros e o seu i<strong>de</strong>al para se poupar<br />

ao sofrimento. Dá-lhe coragem e forças para aceitar a tortura e mesmo a morte em<br />

<strong>de</strong>fesa da sua honra e da honra do seu filho.»<br />

Conceição contou mais tar<strong>de</strong> como esta sua oração havia sido ouvida e<br />

atendida. O camarada a quem o contou, observou-lhe que, antes do milagre dos céus,<br />

ela, Conceição, fizera o milagre na terra.<br />

- Como po<strong>de</strong>s dizer tal coisa? – perguntou Conceição corando e sorrindo” 1772<br />

O corte crítico com o passado, com a educação, com o meio <strong>de</strong> origem na<br />

perspectiva duma construção aproximativa do que <strong>de</strong>via ser um militante mo<strong>de</strong>lo,<br />

politica e i<strong>de</strong>ologicamente formado, forte nas suas novas e assumidas convicções era<br />

um processo inevitavelmente longo e complexo, que, no contexto da activida<strong>de</strong><br />

partidária em liberda<strong>de</strong>, era normalmente feito <strong>de</strong> modo informal, coexistindo durante<br />

muito tempo com resquícios <strong>de</strong> valores e <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>s, mais ou menos adormecidos.<br />

1772 Manuel Tiago [Álvaro Cunhal], Até amanhã, camaradas, <strong>Lisboa</strong>, Edições Avante1, 2ª edição, 1975, pp 290-291<br />

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