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O PCP e a guerra fria.pdf - RUN UNL - Universidade Nova de Lisboa

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vida e <strong>de</strong> trabalho, como com a ditadura e a repressão. Por essas vias, por esses factores<br />

<strong>de</strong> mobilização, se a<strong>de</strong>ria ao partido, como vimos. Esse era um primeiro gran<strong>de</strong> factor<br />

<strong>de</strong> homogeneização.<br />

Neste contexto e à luz <strong>de</strong>sses objectivos, a militância partidária representava<br />

sempre uma ruptura com o passado, como que se abrindo uma nova vida, marcada por<br />

novas entregas, novos riscos e, progressivamente, novos valores.<br />

A interiorização da gran<strong>de</strong>za do combate travado no quadro <strong>de</strong> um colectivo,<br />

cujos contornos concretos a rigorosa compartimentação impedia <strong>de</strong> conhecer, mas cuja<br />

importância, influência e or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za era proclamada, torna-se essencial no<br />

próprio reforço do papel sacralizado do partido aos olhos dos militantes, o que confirma<br />

um segundo factor <strong>de</strong> homogeneização.<br />

A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação e <strong>de</strong> sofrimento, a amargura com que encararam anos<br />

<strong>de</strong> prisão e <strong>de</strong> afastamento da família, a juventu<strong>de</strong> tantas vezes perdida eram<br />

confortados e enquadrados, dotados <strong>de</strong> sentido, <strong>de</strong> <strong>de</strong>vir, pelo próprio partido, mesmo<br />

que individualmente muitas das atitu<strong>de</strong>s e dos comportamentos dos militantes pu<strong>de</strong>ssem<br />

não ser socialmente compreendidas no imediato.<br />

Olhando o seu percurso <strong>de</strong> militante, primeiro e <strong>de</strong> funcionário, <strong>de</strong>pois,<br />

Jerónimo Bom, do Couço, evoca os tempos da clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>:<br />

“Trabalhei para os trabalhadores, para o Partido, estes anos todos, e não tinha<br />

or<strong>de</strong>nado nenhum. A minha mulher só recebia 200 escudos por mês para a ajuda da<br />

escola dos meus gaiatos. Não era nada, 200 escudos, o que era isso? Ela trabalhava,<br />

ela é que trabalhava no campo e que sustentava os seus filhos. E com alguma coisa<br />

que lhe iam dando (…). Eu fui um mau pai para os meus filhos e um mau marido para<br />

a minha mulher. Fui bom para as pessoas e mau para mim próprio e para a minha<br />

família. Por isso, o meu pensamento era este, e continua a ser: eu, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que resolva o<br />

problema <strong>de</strong> todos os trabalhadores; está o meu problema resolvido. (…) O problema<br />

era este: resolver o problema <strong>de</strong> todos os trabalhadores, era resolver o problema dos<br />

meus filhos e da minha mulher, e o meu próprio problema” 1774 .<br />

Dessa forma, na abnegação, no esforço e na <strong>de</strong>dicação, nos riscos corridos,<br />

agindo num espaço concreto, a acção individual, mas colectivamente enquadrada<br />

permitia fazer da fábrica, da al<strong>de</strong>ia ou da escola espaços reprodutivos naturais do<br />

partido, espaços on<strong>de</strong> a sua sobrevivência se <strong>de</strong>senvolve baseada numa cultura que se<br />

transmite fundamentalmente pela atitu<strong>de</strong>, no modo <strong>de</strong> encarar as situações, na rotina da<br />

1774 Cit. in. Paula Godinho, Memórias da resistência…, p. 236<br />

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