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O PCP e a guerra fria.pdf - RUN UNL - Universidade Nova de Lisboa

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contando as nossas histórias, o que também era importante como trabalho <strong>de</strong><br />

mobilização. A vida na sala 3 do Aljube, com 20 ou 30 pessoas era esfalfante (…).<br />

Em salas “adiantadas” davam-se autênticos cursos. Na sala 2ª do Aljube<br />

frequentei um curso elementar <strong>de</strong> economia política, dada pelo Chico Miguel, que tinha<br />

a matéria <strong>de</strong>corada por já a ter dado muitas vezes em prisões e no Tarrafal. Sem<br />

apontamentos, caminhávamos em grupo para trás e para diante, na penumbra,<br />

procurando não chamar a atenção do guarda, sempre à espreita pelo ralo da porta. O<br />

Chico Miguel ia expondo um capítulo em cada dia e nós colocávamos as nossas<br />

perguntas, objecções, etc. No dia seguinte recapitulava-se a matéria dada e passava-se<br />

a um novo tema. Acho que durou meses. Também trocávamos os nossos conhecimentos<br />

<strong>de</strong> história <strong>de</strong> Portugal, revolução russa, história da resistência anti-fascista, etc.” 1767<br />

É nesse sentido que as prisões foram locais <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> política,<br />

“universida<strong>de</strong>s”, por on<strong>de</strong> passaram gerações <strong>de</strong> militantes que pu<strong>de</strong>ram aí iniciar ou<br />

<strong>de</strong>senvolver um aprendizado teórico, ainda que por vezes, antes, fosse necessário, para<br />

muitos proporcionar-lhes a aprendizagem das primeiras letras e a apropriação <strong>de</strong> todo<br />

um conjunto <strong>de</strong> termas <strong>de</strong> carácter cultural, geral.<br />

Com vidas e percursos interrompidos pela prisão, entre o orgulho <strong>de</strong> ter resistido<br />

ou vergados sob o anátema da traição, foram centenas e centenas, milhares <strong>de</strong> militantes<br />

que passaram pelas fileiras do partido. Não obstante, mesmo nessas circunstâncias, no<br />

sul, como por todo o país, o partido soube manter na sua orla a maioria dos elementos<br />

que ao longo dos anos foram suspensos, afastados ou até expulsos, que, por sua vez,<br />

carregaram anos a fio, muitos dolorosamente, uma culpa que os ciliciava<br />

permanentemente, distribuindo-lhes por vezes tarefas concretas, sem que isso<br />

significasse reintegração orgânica. Como refere Manuel Colhe, um antigo funcionário<br />

<strong>de</strong> Alpiarça que, expulso <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> preso se manteve sempre na órbita do partido:<br />

“Fui expulso por ter falado, mas continuei na mesma a lutar ligado ao Partido<br />

cá em Alpiarça. Como eu adquirira uma gran<strong>de</strong> experiência no trabalho <strong>de</strong><br />

clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> e nas lutas <strong>de</strong> massas só queria continuar a lutar. Quando vim da<br />

ca<strong>de</strong>ia, esse era o meu <strong>de</strong>sejo e os meus camaradas permitiram” 1768<br />

Do mesmo modo, muitos daqueles que, assustados com a perspectiva ou<br />

experiência <strong>de</strong> uma prisão, não a querendo viver, ou repetir, se mantiveram como<br />

1767 Francisco Martins Rodrigues, Os meus trabalhos prisionais, in PREC, 1, Outubro <strong>de</strong> 2006<br />

1768 João Céu e Silva, Uma longa viagem com Álvaro Cunhal, Porto, ASA, 2005, p. 133<br />

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