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Anais DCIMA Final-1

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Página 507<br />

pela fantasia na vida psíquica. A esse poder da ilusão é possível atribuir um alcance revolucionário, à maneira<br />

do artista que termina por dobrar a realidade à liberação de seus desejos, como vimos anteriormente. Mas<br />

Sigmund Freud sublinhou a capacidade que a arte teria de reconciliar o homem, que sacrifica seus desejos em<br />

prol da civilização, com a cultura, reforçando assim seus laços de pertencimento.<br />

Vale destacar que longe de consistir em uma autoliberação, uma vitória da satisfação pulsional, talvez<br />

a criação artística seja uma espécie de retomada do conflito entre as moções pulsionais e a realidade que se<br />

opõe à sua satisfação. Essa ideia se apresenta pela vertente da função paterna a partir do mito criado por<br />

Sigmund Freud em Totem e tabu (1913-1914). Até onde se sabe, o mito foi inspirado em alguns dados<br />

etnológicos que ele concebeu seu grande mito da origem da civilização. O que ele chama de horda primitiva<br />

uniria o clã em torno de um pai cruel e dominador, que teria a seu dispor todas as mulheres. Os irmãos, um<br />

dia, teriam se agrupado, revoltados, e assassinado o pai, servindo, em seguida, seu corpo em um banquete. Este<br />

teria sido assim incorporado por cada um dos filhos, que desta forma introjetariam sua lei e fundariam a<br />

sociedade de irmãos, impedindo que qualquer outro viesse a tomar o lugar do pai terrível.<br />

A morte e o assassinato do pai permitem não uma liberação irrefreada da lei paterna, mas uma<br />

apropriação desta, polo estabelecimento, graças à identificação com o pai, do que Sigmund Freud chamou<br />

posteriormente do “superego”. O filho estará, a partir daí, não mais inteiramente subjugado ao pai cruel, mas<br />

livremente sob o jugo de seu próprio “superego”, sede de sua consciência moral. Referendo-se ao referido<br />

mito, em Psicopatologia de grupo e a análise do ego (1920-1925), Sigmund Freud afirmou que um dos irmãos,<br />

após a eliminação do pai, se destacaria da massa e tomaria seu papel: o criador literário ou poeta (Dichter). Ele<br />

inventaria o mito do herói, que teria sozinho abatido o pai figurado como mostro totêmico. O artista, por sua<br />

vez, se colocaria ele próprio no lugar do herói e permitiria aos seus irmãos um importante feito cultural: os<br />

indivíduos a quem o poeta conta sua criação encontram no herói um ideal, em substituição ao pai que é o<br />

primeiro ideal do menino, e por essa via sairiam da “psicologia das massas” e alcançariam a “psicologia<br />

individual”.<br />

Portanto, a ficção aparece aí como uma retomada fantasiada do assassinato do pai que instaura sua lei.<br />

A rebelião contra o pai permite que o poeta assuma o seu papel, ou seja, suscite em cada um dos componentes<br />

da massa o mesmo processo de rebelião que, paradoxalmente, estabelece subjetivamente a lei paterna, a qual<br />

restringe fortemente as possibilidades de satisfação pulsional direta não mais necessariamente via proibições<br />

externas, mas instaurando a possibilidade de se renunciar a ela. Logo, se uma das faces da criação artística<br />

Universidade Federal do Maranhão – Cidade Universitária Dom Delgado<br />

Avenida dos Portugueses, 1.966 - São Luís - MA - CEP: 65080-805

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