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Anais DCIMA Final-1

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Página 511<br />

1.4 Uma psicanálise “surrealista”.<br />

Jacques Lacan – que frequentava os mesmos lugares onde se reunia a vanguarda parisiense no início<br />

da década de 1920, cedo se interessou pelo Dadaísmo, e reconheceu a influencia surrealista que sofreu sua<br />

obra. Ele conheceu o escritor francês, poeta e teórico do surrealismo André Breton (1896-1966), bem como o<br />

escritor e político francês Philippe Soupault (1897-1990) antes mesmo de começar as ler os escritos de<br />

Sigmund Freud. A psicanalista e historiadora da psicanálise francesa Elisabeth Roudinesco (1994) chegou a<br />

considerar veementemente a teoria lacaniana como uma síntese, em partes iguais, três grandes tendências: o<br />

freudismo; a psiquiatria e o surrealismo.<br />

De acordo com Marco Antonio Coutinho Jorge e Nadiá Paulo Ferreira (2005), a leitura de um texto<br />

de Salvador Dalí, na revista Le Surréalisme au Service de La Révolution, foi determinante para os primeiros<br />

passos de elaboração teórica de Jacques Lacan. Trata-se, pois, de L’âre pourri (“O asno podre”), em que<br />

Salvador Dalí apresentou sua teoria da paranoia-crítica, que marcou significativamente sua produção pictórica<br />

da década de 1930 com imagens ambíguas. Em seu quadro “A Espanha” (1983), o combate de cavaleiros<br />

pintados à maneira de Leonardo Da Vinci, em segundo plano, forma o rosto diáfano da mulher que se apoia<br />

languidamente em uma espécie de cômoda. Em “Metamorfose de Narciso” (1936), obra mostrada a Sigmund<br />

Freud em 1938, permite o espectador participar ativamente do processo de transformação: diante de seus olhos<br />

Narciso, curvado sobre o espelho d’água, petrifica-se numa forma de mão que segura um ovo, de onde irrompe<br />

a flor narciso. Imagens duplas se autoengendram, partilham os mesmos contornos, são intercambiáveis, de tal<br />

maneira que o espectador vê a obra se metamorfosear diante dele.<br />

É importante lembrar que Salvador Dalí considerava o delírio paranoico como uma atividade criadora<br />

capaz de mostrar que na percepção está em xeque uma operação interpretativa. Bem sabemos que à maneira<br />

da experiência da loucura, em que o mundo deverá ser reinterpretado por um trabalho delirante, a arte faz,<br />

então, “vacilar” a percepção imediata das coisas, conclamando, portanto, uma potência interpretativa. Por<br />

diversas vezes, o referido artista alegou que “de alguns de seus quadros, cada espectador tem uma visão<br />

diferente”. As obras paranoicas fazem, assim, uma crítica ferrenha à própria concepção de realidade perceptiva.<br />

E completou: “um dia terá que ser admitido oficialmente que o que batizamos de realidade é uma ilusão, até<br />

maior, do que o mundo dos sonhos”.<br />

Universidade Federal do Maranhão – Cidade Universitária Dom Delgado<br />

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