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NCPC - Anotado - Tucci e outros

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Rodrigo Xavier Leonardo Art. 554<br />

Eis o texto do Código Civil cuja incompreensão lamentavelmente grassa, mormente pela leitura<br />

acrítica por intermédio de lentes provenientes de <strong>outros</strong> sistemas: “Considera-se possuidor<br />

todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”<br />

(CC, art. 1.196).<br />

Pede-se atenção ao leitor para o texto do Código Civil. Qualifica-se como possuidor aquele<br />

que, de fato, exerce perante as demais pessoas, em moldes plenos ou não, algum dos poderes,<br />

igualmente fáticos, que são inerentes à propriedade (poderes de usar, gozar, dispor e de reaver de<br />

quem injustamente a detenha (CC, art.1.228).<br />

Essa opção dogmática não pode ser menosprezada, e o texto adotado pelo CC/2002, que não<br />

foi substancialmente alterado em relação ao CC/1916, deveria afastar as tentativas de explicação<br />

da posse, seja à luz das correntes denominadas subjetivas (Savigny), seja à luz das correntes denominadas<br />

objetivas (Ihering). O particular tratamento da posse em direito brasileiro, e a leitura<br />

coerente ao direito positivo nacional, é encontrada na obra de Pontes de Miranda.<br />

O CC em vigor, nalguma medida, reforçou esta opção dogmática ao estabelecer que a aquisição<br />

da posse se dá a partir do momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio,<br />

de qualquer dos poderes inerentes à propriedade (CC, art. 1.204).<br />

A posse é um fato. Como fato, integra o suporte fático de alguns fatos jurídicos. Caso somemse<br />

a este fato <strong>outros</strong> componentes, integrará o suporte fático suficiente de diferentes fatos jurídicos<br />

(v.g., a usucapião, em suas diversas modalidades, o direito de retenção, o direito de percepção<br />

de frutos, entre <strong>outros</strong>).<br />

Se a posse é um fato, a sua configuração independe da titularidade de qualquer direito real,<br />

seja porque há direitos reais sem posse (v.g., hipoteca), seja porque há posse sem a titularidade<br />

de direito subjetivo algum.<br />

Cite-se, nesse sentido, a Súmula nº 415 do STF: “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada<br />

permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo<br />

direito à proteção possessória”.<br />

O Capítulo das ações possessórias, objeto destes comentários, trata exatamente de uma das<br />

hipóteses em que o fato posse integra o suporte fático de certas regras jurídicas que, ao incidirem,<br />

constituem um fato jurídico que gera efeitos jurídicos, no caso, os interditos possessórios.<br />

Razões de ordem social e econômica exigem que a situação de fato da posse seja protegida<br />

contra atos ou ameaças de violência que, caso fossem livremente permitidos, violariam a paz<br />

social. A vedação à violência e ao exercício arbitrário das próprias razões, que orienta o ordenamento<br />

jurídico nacional, serve de justificativa para as ações possessórias.<br />

A posse, adicionada aos efetivos atos de ameaça, de turbação e de esbulho, compõe o suporte<br />

fático de fatos jurídicos específicos, cujos efeitos, não da posse, mas desses fatos jurídicos, são<br />

traçados no direito material a partir do CC, art. 1.210: “O possuidor tem direito a ser mantido na<br />

posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver<br />

justo receio de ser molestado”.<br />

O direito de ser mantido, restituído e segurado de violência iminente não nasce da posse.<br />

Esse direito não é, rigorosamente, efeito da posse. Trata-se de efeito proveniente do fato jurídico<br />

constituído a partir da incidência das regras jurídicas que tratam da lesão ou ameaça de lesão ao<br />

estado de fato, posse, conforme indicado no CC, art. 1.210.<br />

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