História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
98 Terceira parte - de~~bel*ta do horr\eru\<br />
pode sofrer nenhum mal, nem na vi<strong>da</strong>, nem<br />
na morte". Nem na vi<strong>da</strong>, porque os outros<br />
podem <strong>da</strong>nificar-lhe os haveres ou o corpo,<br />
mas nHo arruinar-lhe a harmonia interior e<br />
a ordem <strong>da</strong> alma. Nem na morte, porque,<br />
se existe um alCm. o virtuoso seri oremiado;<br />
se nHo existe, ele ji viveu bem noAaquim,<br />
e o alim 6 como um ser no na<strong>da</strong>. De qualquer<br />
forma, Socrates possuia firme convic-<br />
$50 de que a virtude ja tem o seu prtmio em<br />
si mesma, isto C, intrinsecamente. Portanto,<br />
vale a pena ser virtuoso, porque a propria<br />
virtude ia constitui um fim. E. sendo assim.<br />
para Socrates o homem pode ser feliz nesta<br />
vi<strong>da</strong>, quaisquer que sejam as circunst5ncias<br />
em que Ihe cabe viver e seja qual for a situaqHo<br />
no alCm. 0 homem C o ver<strong>da</strong>deiro artifice<br />
. . de sua propria felici<strong>da</strong>de ou infelici<strong>da</strong>de.<br />
Muitissimo se discutiu sobre as raz6es<br />
que levaram Socrates a condenagiio. Do pon-<br />
to de vista juridico, esta claro que os crimes<br />
que Ihe foram imputados procediam. Ele<br />
"nHo acreditava-nos deuses <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de" por-<br />
que acreditava num Deus superior, e "cor-<br />
rompia os jovens" porque lhes ensinava essa<br />
doutrina. Entretanto, depois de se ter defen-<br />
dido corajosamente no tribunal, tentando<br />
demonstrar que estava com a ver<strong>da</strong>de, mas<br />
nio tendo conseguido convencer os juizes,<br />
aceitou a condenagiio e recusou-se a fugir<br />
do circere, apesar dos amigos terem organi-<br />
zado tudo para a sua fuga. Suas motivag6es<br />
eram exemplares: a fuga teria significado<br />
violagiio do veredito e, portanto, violagHo<br />
<strong>da</strong> lei. A ver<strong>da</strong>deira arma de que o homem<br />
disp6e C a sua razHo e, portanto, a persua-<br />
siio. Se, fazendo uso <strong>da</strong> razHo, o homem nHo<br />
consegue alcanqar seus objetivos com a per-<br />
suasHo, entHo deve conformar-se, porque,<br />
como tal, a violencia C coisa impia. Platiio<br />
p6e na boca de Socrates: "Nio se deve de-<br />
sertar, nem retirar-se, nem abandonar o pos-<br />
to, mas sim, na guerra, no tribunal e em<br />
qualquer lugar, C precis0 fazer aquilo que a<br />
pitria e a ci<strong>da</strong>de ordenam, ou entiio persua-<br />
di-las em que consiste a justiqa, ao passo<br />
que fazer uso <strong>da</strong> violi?lzcia e' coisa impia ". E<br />
Xenofonte escreve: "Preferiu morrer, perma-<br />
necendo fie1 B lei, a viver, violando-a".<br />
Ao dotar Atenas de leis, Solon j i pro-<br />
clamara em aka voz: "Niio quero valer-me<br />
<strong>da</strong> violhcia <strong>da</strong> tirania", mas sim <strong>da</strong> justiqa.<br />
Mas a posigiio assumi<strong>da</strong> por Socrates foi<br />
ain<strong>da</strong> mais importante. Com ele, alCm de<br />
ser explicitamente teoriza<strong>da</strong>, a concepqHo <strong>da</strong><br />
revolugiio <strong>da</strong> nio-violhcia foi demonstra-<br />
<strong>da</strong> at6 com a propria morte, sendo desse<br />
mod0 transforma<strong>da</strong> em "conquista para<br />
sempre". TambCm Martin Luther King, o<br />
lider negro norte-americano <strong>da</strong> revolugHo<br />
nHo-violenta, evocava principios socriticos,<br />
alCm dos principios cristHos.<br />
E qual era a concepqiio de Deus que<br />
Socrates ensinava, a ponto de oferecer a seus<br />
inimigos o pretext0 para condeni-lo i morte,<br />
ji que era contraria aos "deuses em que a ci<strong>da</strong>de<br />
acreditava"? Era a concepgiio indiretamente<br />
prepara<strong>da</strong> pelos filosofos naturalistas,<br />
culminando no pensamento de Anaxigoras<br />
e de Diogenes de Apolenia: o Deus-inteligtncia<br />
ordenadora. Socrates, porCm, desliga<br />
essa concepgiio dos pressupostos proprios<br />
desses filosofos (sobretudo de Diogenes),<br />
"des-fisicizando-a" e deslocando-a para um<br />
plano o mais possivel afastado dos pressupostos<br />
proprios <strong>da</strong> "filosofia <strong>da</strong> natureza"<br />
anterior.<br />
Sobre esse tema, pouco sabemos por<br />
Platgo, ao passo que Xenofonte nos informa<br />
amplamente. Eis o raciocinio registrado<br />
nos Memorabilia, que constitui a primeira<br />
prova racional <strong>da</strong> existtncia de Deus que<br />
chegou at6 nos e que constituiri a base de<br />
to<strong>da</strong>s as provas posteriores.<br />
a) Aquilo que nHo C simples obra do<br />
acaso, mas constituido para alcan~ar um<br />
objetivo e um fim, pressupoe uma intelighcia<br />
que o produziu por raz6es evidentes.<br />
Ademais, observando particularmente o<br />
homem, notamos que ca<strong>da</strong> um e todos os<br />
seus org8os estHo constituidos de tal mod0<br />
que niio podem ser absolutamente expliciveis<br />
como obra do acaso, mas apenas como<br />
obra de uma inteligtncia que idealizou expressamente<br />
essa constituigiio.<br />
b) Contra esse argumento, poder-se-ia<br />
objetar que, ao contririo dos artifices terrenos,<br />
que podem ser vistos ao lado de suas<br />
obras, essa Intelighcia niio se vi. To<strong>da</strong>via<br />
- observa Socrates - tal objeqio n8o se