História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A reviravolta eclitico-dogmatics <strong>da</strong><br />
Academia e, sobretudo, os posicionamen-<br />
tos estoicizantes de Antioco levaram alguns<br />
pensadores, ain<strong>da</strong> convencidos <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>s instincias citicas impostas por Arcesilau<br />
e Carniades, a denunciar o novo dogma-<br />
tismo e a repensar ain<strong>da</strong> mais radicalmente<br />
as instincias citicas. Por essa raziio, Enesi-<br />
demo de Cnossos abriu em Alexandria uma<br />
nova Escola citica, escolhendo como ponto<br />
de referhcia nzo mais um pensador liga-<br />
do a Academia, ja definitivamente compro-<br />
meti<strong>da</strong>, e sim um pensador que, relido de<br />
mod0 particular, pudesse inspirar e alimen-<br />
tar melhor que todos o novo Ceticismo.<br />
Esse modelo foi encontrado em Pirro de<br />
Eli<strong>da</strong>, e os Discursos pirr6nicos escritos por<br />
Enesidemo se transformaram no manifesto<br />
do novo movimento. A obra soa como ver-<br />
<strong>da</strong>deiro desafio, devido ao seu eloquente<br />
programa inovador. Todos os elementos 21<br />
nossa disposiqiio parecem sugerir como<br />
<strong>da</strong>ta de elaboraqiio do escrito os anos em<br />
torno de 43 a.C., logo apos a morte de Ci-<br />
cero.<br />
A tese de base de Enesidemo 6 que ca<strong>da</strong><br />
coisa niio-e'-mais-isso-que-aquilo, o que im-<br />
plicava a negaqiio <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de dos princi-<br />
pios de identi<strong>da</strong>de, de niio-contradiqzo e do<br />
terceiro excluido. Implicava, pois, a nega-<br />
$50 <strong>da</strong> substincia e <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de no ser<br />
<strong>da</strong>s coisas, e, <strong>da</strong>i, levava a sua total indeter-<br />
minagiio ou, como salientou Enesidemo, a<br />
sua "desordem" e a sua "confusiio".<br />
Foi precisamente essa a condiqiio <strong>da</strong>s<br />
coisas que Enesidemo procurou fazer emer-<br />
gir, de mod0 programatico, mostrando em<br />
primeiro lugar que ?I aparente forqa persua-<br />
siva <strong>da</strong>s coisas era sempre possivel contra-<br />
por consideraqoes dota<strong>da</strong>s de igual grau de<br />
credibili<strong>da</strong>de, que anulavam (ou, pel0 me-<br />
nos, contrabalanqavam em sentido oposto)<br />
aquela aparente forqa persuasiva. Com esse<br />
objetivo, Enesidemo elaborou aquilo que<br />
nos, modernos, podemos chamar de qua-<br />
dro <strong>da</strong>s supremas categorias <strong>da</strong> duvi<strong>da</strong> e que<br />
os antigos chamavam de "tropos" ou "mo-<br />
dos" que levam a suspensiio do juizo.<br />
Eis o quadro desses "tropos", que se<br />
tornou muito cilebre:<br />
1) 0 s varios seres vivos tkm diferentes<br />
constituig6es dos sentidos, que comportam<br />
sensaqoes contrastantes entre si.<br />
2) Contudo, mesmo que nos limitemos<br />
apenas aos homens, notamos entre eles tais<br />
diversi<strong>da</strong>des no corpo e naquilo que se cha-<br />
ma de "alma", a ponto de comportar diver-<br />
si<strong>da</strong>des radicais tambim nas sensaqoes, nos<br />
pensamentos, nos sentimentos e nos com-<br />
portamentos praticos.<br />
3) At6 mesmo no homem individual-<br />
mente a estrutura de ca<strong>da</strong> sentido i diversa,<br />
a ponto de comportar sensaqoes contrastan-<br />
tes entre si.<br />
4) Ain<strong>da</strong> no homem, totnado singular-<br />
mente, Go bastante mutaveis as disposiq6es,<br />
os estados de espirito e as situaqoes e, por-<br />
tanto, as respectivas representaqoes.<br />
5) Conforme tenham educaqzo diver-<br />
sa ou pertenqam a povos diversos, os ho-<br />
mens tgm opinioes diferentes sobre tudo (va-<br />
lores morais, deuses, leis etc.).<br />
6) Niio existe nenhuma coisa que apa-<br />
reqa em sua pureza, porque tudo esta mis-<br />
turado com o resto e, conseqiientemente,<br />
nossa representaqzo resulta condiciona<strong>da</strong>.<br />
7) As distincias e posig8es em que se<br />
encontram os objetos condicionam as repre-<br />
sentagoes que deles temos.<br />
8) 0s efeitos que as coisas produzem<br />
variam de acordo com sua quanti<strong>da</strong>de.<br />
9) To<strong>da</strong>s as coisas s5o por nos capta-<br />
<strong>da</strong>s em relaqiio com outras e nunca por si<br />
mesmas.<br />
10) Conforme a frequhcia ou rari<strong>da</strong>-<br />
de com que aparecem, os fen6menos mu-<br />
<strong>da</strong>m nosso juizo.<br />
Por t6dos esses motivos, portanto, im-<br />
p6e-se a "suspensiio do juizo" (egochi).<br />
A compilagiio desse quadro, porim,<br />
representa apenas uma primeira contribui-<br />
qiio ao relanqamento do Pirronismo por<br />
parte de Enesidemo. Com efeito, nosso filo-<br />
sofo tambim procurou reconstruir o mapa<br />
<strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des que impedem a construqiio<br />
de uma ciincia e tentou desmantelar de<br />
mod0 sistematico as condig6es e os fun<strong>da</strong>-<br />
mentos postulados pela ciincia.<br />
Ora, a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cihcia supoe,<br />
em geral, tris coisas:<br />
a) a existencia <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de;<br />
b) a existhcia <strong>da</strong>s causas (dos princi-<br />
pios ou raz6es causais);<br />
c) a possibili<strong>da</strong>de de inferincia metafe-<br />
nominica, ou seja, a possibili<strong>da</strong>de de enten-<br />
der as coisas que se viem como "sinais"<br />
(efeitos) de coisas que niio se viem (e que<br />
devem ser postula<strong>da</strong>s precisamente como<br />
causas necessarias para explicar as coisas<br />
que se Gem).