História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
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0s primeiros filosofos (talvez o pro-<br />
prio Tales) denominaram esse principio com<br />
o termo physis, que indica natureza, niio no<br />
sentido moderno do termo, mas no sentido<br />
originirio de reali<strong>da</strong>de primeira e fun<strong>da</strong>-<br />
mental.<br />
Assim, os fil6sofos que, a partir de Ta-<br />
les at6 o fim do sic. V a.C., in<strong>da</strong>garam a<br />
respeito <strong>da</strong> physis foram denominados "Fi-<br />
S~COS" ou "Naturalistas". Portanto, somen-<br />
te recuperando a acepqiio arcaica do termo<br />
e captando adequa<strong>da</strong>mente as peculiari<strong>da</strong>-<br />
des que a diferenciam <strong>da</strong> acepqio moderna<br />
seri possivel entender o horizonte espiritual<br />
desses primeiros pensadores.<br />
To<strong>da</strong>via, resta ain<strong>da</strong> esclarecer o senti-<br />
do <strong>da</strong> identificaqiio do "principio" com a<br />
"igua" e as suas implicaq6es.<br />
A tradiqio indireta diz que Tales de-<br />
duziu sua convicqiio "<strong>da</strong> constataqiio de que<br />
a nutriqio de to<strong>da</strong>s as coisas C umi<strong>da</strong>", que<br />
as sementes e os germes de to<strong>da</strong>s as coisas<br />
"ttm natureza umi<strong>da</strong>", e de que, portanto,<br />
a secura total C a morte. Assim como a vi<strong>da</strong><br />
esti liga<strong>da</strong> i umi<strong>da</strong>de e esta pressup6e a<br />
agua, entiio a igua C a fonte hltima <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
e de to<strong>da</strong>s as coisas. Tudo vem <strong>da</strong> igua, tudo<br />
sustenta sua vi<strong>da</strong> com igua e tudo termina<br />
na igua. Tales, portanto, fun<strong>da</strong>menta suas<br />
asserq6es sobre o raciocinio puro, sobre o<br />
logos; apresenta uma forma de conhecimen-<br />
to motivado com argumentaqties racionais<br />
precisas.<br />
De resto, a que nivel de racionali<strong>da</strong>de<br />
Tales j i se elevara, tanto em geral como em<br />
particular, pode ser demonstrado pelo fato<br />
de que ele havia pesquisado os fen6menos<br />
do cCu a ponto de predizer (para estupefa-<br />
qio de seus conci<strong>da</strong>diios) um eclipse (talvez<br />
o de 585 a.C.). Ao seu nome esti ligado tam-<br />
bCm um cClebre teorema de geometria.<br />
Mas niio se deve acreditar que a agua<br />
de Tales seja o elemento fisico-quimico que<br />
hoje bebemos. A agua de Tales deve ser pen-<br />
sa<strong>da</strong> de mod0 totalizante, ou seja, como a<br />
physis liqui<strong>da</strong> originiria <strong>da</strong> qual tudo deri-<br />
va e <strong>da</strong> qual a igua que bebemos C apenas<br />
uma de suas tantas manifestaq6es. Tales C<br />
um "naturalista" no sentido antigo do ter-<br />
mo e nio um "materialista" no sentido<br />
moderno e contemporineo. Com efeito, sua<br />
"igua" coincidia com o divino. Desse modo,<br />
introduz-se nova concepqiio de Deus: trata-<br />
se de uma concepqiio na qual predomina a<br />
raziio, e destina-se, enquanto tal, a eliminar<br />
logo todos os deuses do politeismo fantisti-<br />
co-poCtico dos gregos.<br />
Capitulo segundo - 0 s "flaturalistas" OM fi16sofos <strong>da</strong> "physis"<br />
19<br />
Ao afirmar posteriormente que "tudo<br />
esti cheio de deuses", Tales queria dizer que<br />
tudo C permeado ~ elo principio originirio.<br />
E como o principio originirio C vi<strong>da</strong>, tudo C<br />
vivo e tudo tem alma (panpsiquismo). 0<br />
exemplo do imii que atrai o ferro era apresentado<br />
por ele como prova <strong>da</strong> animaqiio<br />
universal <strong>da</strong>s coisas (a forqa do imi C a manifestaqiio<br />
de sua alma, ou seja, precisamente,<br />
de sua vi<strong>da</strong>).<br />
Com Tales, o logos humano rumou<br />
com seguranqa pel0 caminho <strong>da</strong> conquista<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de em seu todo (a quest50 do principio<br />
de to<strong>da</strong>s as coisas) e em algumas de<br />
suas partes (as que constituem o objeto <strong>da</strong>s<br />
"citncias particulares", como hoje as chamamos).<br />
IZ<br />
Provavelmente discipulo de Tales, Ana-<br />
ximandro nasceu por volta de fins do sic.<br />
VII a.C. e morreu no inicio <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> me-<br />
tade do sCc. VI. Elaborou um tratado Sobre<br />
a natureza, do qual chegou um fragment0<br />
at6 nos. Trata-se do primeiro tratado filo-<br />
s6fico do Ocidente e do primeiro escrito<br />
grego em prosa. A nova forma de composi-<br />
qiio literiria tornava-se necessiria pel0 fato<br />
de que o logos devia estar livre do vinculo<br />
<strong>da</strong> mktrica e do verso para corresponder<br />
plenamente is suas proprias instiincias. Ana-<br />
ximandro foi ain<strong>da</strong> mais ativo que Tales na<br />
vi<strong>da</strong> politica. Temos, de fato, conhecimento<br />
de que chegou at6 a "coman<strong>da</strong>r a col6nia<br />
que migrou de Mileto para Apol6nia".<br />
Com Anaximandro, a problematica do<br />
principio se aprofundou. Ele sustenta que<br />
a igua ji C algo derivado e que, ao contri-<br />
rio, o "principio" (archi) C o infinito, ou se-<br />
ja, uma natureza (physis) in-finita e in-de-<br />
fini<strong>da</strong>, <strong>da</strong> qual provtm to<strong>da</strong>s as coisas que<br />
existem.<br />
0 termo usado por Anaximandro C<br />
a-peiron, que significa aquilo que esti pri-<br />
vado de limites, tanto externos (ou seja,<br />
aquilo que C espacialmente e, portanto,<br />
quantitativamente infinito), como internos<br />
(ou seja, aquilo que C qualitativamente in-<br />
determinado). Precisamente por ser quan-<br />
titativa e qualitativamente i-limitado, o prin-<br />
cipio-apeiron pode <strong>da</strong>r origem a to<strong>da</strong>s as<br />
coisas, de-limitando-se de virios modos. Esse<br />
principio abarca e circun<strong>da</strong>, governa e sus-