História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
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Marco AurClio rompeu esse esquema,<br />
assumindo trcs principios como constituti-<br />
vos do homem:<br />
a) o corpo, que C carne;<br />
b) a alma, que C sopro ou pneuma;<br />
c) o intelecto ou mente (nous), superior<br />
a pr6pria alma.<br />
Enquanto a Estoa identificava o hege-<br />
m6nico ou principio diretor do homem (a in-<br />
teligtncia) com a parte mais alta <strong>da</strong> alma,<br />
Marco AurClio o coloca fora <strong>da</strong> alma, identifi-<br />
cando-o precisamente com o nous, o intelecto.<br />
Com base no que dissemos, pode-se en-<br />
tender muito bem porque, para Marco AurClio,<br />
a alma intelectiva constitui nosso ver<strong>da</strong>deiro<br />
eu, o refugio seguro para o qua1 devemos nos<br />
retirar para nos defendermos de qualquer<br />
perigo e para encontrar as energias de que<br />
necessitamos para viver uma vi<strong>da</strong> digna de<br />
homens.<br />
0 hegemhico, isto C, a alma intelecti-<br />
va, que C o nosso Demenio, C invencivel, se<br />
assim o quiser. Na<strong>da</strong> pode obstaculizii-lo,<br />
na<strong>da</strong> pode dobra-lo, na<strong>da</strong> pode golpea-lo,<br />
nem fogo nem ferro nem violkia de qualquer<br />
espCcie, se ele n8o o quiser. Somente o<br />
juizo que ele emite sobre as coisas pode<br />
golpea-lo; mas, entio, n8o s8o as coisas que<br />
o atingem, e sim as falsas opini6es que ele<br />
mesmo produziu. Desde que conservado<br />
reto e incorrupto, o "nous" C o refugio que<br />
<strong>da</strong> ao homem a paz absoluta. A velha Estoi<br />
ja destacara o vinculo comum que liga todos<br />
os homens, mas somente o Neo-estoicismo<br />
romano elevou esse vinculo ao tlreceito do<br />
amor. E Marco AurClio encaminhou-se sem<br />
reservas nessa direqiio: "E ain<strong>da</strong> C pr6prio<br />
<strong>da</strong> alma racional amar o pr6xim0, o que C<br />
ver<strong>da</strong>de e humil<strong>da</strong>de (. . .)".<br />
TambCm o sentimento religioso de<br />
Marco AurClio vai muito mais alCm do aue<br />
o <strong>da</strong> velha Estoa: "<strong>da</strong>r graqas aos deusesho<br />
fundo do coraqiio", "ter sempre Deus na<br />
mente", "invocar os deuses" e "viver com<br />
os deuses" s8o express6es significativas que se<br />
repetem nas Recor<strong>da</strong>~des, prenhes de novas<br />
valtncias. Mas o mais si~nificativo " de todos<br />
a respeito disso C o seguinte pensamento:<br />
"0s deuses n8o podem na<strong>da</strong> ou podem alguma<br />
coisa. Se niio podem, por que lhes diriges<br />
preces? Se podem, por que n8o lhes suplicas<br />
que te conce<strong>da</strong>m niio temer nem deseiar<br />
al~umas " dessas coisas e de n80 te amareu- "<br />
rares por algumas delas, ao invCs de obt&<br />
las ou evita-las? Porque, de qualquer forma,<br />
se eles podem aju<strong>da</strong>r os homens, devem<br />
aju<strong>da</strong>-10s tambCm nisso. Talvez digas: '0s<br />
deuses deram-me facul<strong>da</strong>de para agir a esse<br />
restleito.' Ent8o. n8o C melhor aue te sirvas<br />
livremente <strong>da</strong>quilo que esta em teu poder<br />
ao invCs de inquietar-te servil e vilmente por<br />
aquilo que n8o esta em teu poder? Ademais,<br />
quem te disse que os deuses n8o nos coadjuvam<br />
tambim naquilo que esta em nosso<br />
poder? Comeqa a suplicar-lhes nesse sentido<br />
e veras."<br />
Com Marco AurClio. o estoicismo sem<br />
duvi<strong>da</strong> alcanqou seu mais alto triunfo, no<br />
sentido de que, como j6 se observou justamente,<br />
"um imperador, o soberano de todo<br />
o mundo conhecido, professou-se est6ico e<br />
agiu como est6icon (M. Pohlenz). Mas, logo<br />
detlois de Marco AurClio. o estoicismo iniciou<br />
seu declinio fatal: poucas geraq6es depois,<br />
no sic. I11 d.C., desapareceu como corrente<br />
filos6fica autbnoma.