História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
126 Terceira parte - P. desrubevta d o homem<br />
ga C uma denuncia desse dogmatism0 e a<br />
reivindicaqiio de um estatuto antidogmitico<br />
para a medicina, uma independincia em re-<br />
lag20 i filosofia de EmpCdocles. Escreve<br />
Hipocrates: "Estio profun<strong>da</strong>mente em err0<br />
todos os que se puseram a falar ou escrever<br />
sobre medicina, fun<strong>da</strong>mentando o seu dis-<br />
curso em um postulado, o quente e o frio, o<br />
zimido e o seco ou qualquer outro que te-<br />
nham escolhido, simplificando em excess0<br />
a causa original <strong>da</strong>s doenqas e <strong>da</strong> morte dos<br />
homens, atribuindo a mesma causa a todos<br />
os casos, porque se baseiam em um ou dois<br />
postulados."<br />
Hipocrates niio nega que esses fatores<br />
entrem na produqio <strong>da</strong>s doenqas e <strong>da</strong> sa6-<br />
de, mas entram de mod0 muito variado e<br />
articulado, porque, na natureza, tudo esti<br />
misturado junto (note-se aqui corno, habil-<br />
mente, Hipocrates vale-se do postulado de<br />
Anaxagoras, segundo o qua1 tudo esta em<br />
tudo, precisamente para derrotar os postu-<br />
lados de Empidocles).<br />
0 conhecimento mCdico C um conheci-<br />
mento precis0 e rigoroso <strong>da</strong> dieta convenien-<br />
te e de sua justa medi<strong>da</strong>. Essa explicitagiio<br />
nio pode derivar de crittrios abstratos ou<br />
hipotkticos, mas apenas <strong>da</strong> experiincia con-<br />
creta, <strong>da</strong> "sensaqiio do corpo" (parece-nos<br />
estar ouvindo um eco de Protagoras!).<br />
0 discurso mCdico niio deve ser feito,<br />
portanto, em torno <strong>da</strong> essBncia do homem<br />
geral, sobre as causas do seu aparecimento<br />
e questdes semelhantes. Deverh desenvolver-<br />
se em torno do que e' o homem como ser<br />
fisico concreto que tern rela@o corn aquilo<br />
que come, corn aquilo que bebe, corn o seu es-<br />
pecifico regime de vi<strong>da</strong> e coisas semelhantes.<br />
As Epidemias (que significam "visitas")<br />
mostram concretamente a agudeza que Hi-<br />
pocrates exigia <strong>da</strong> arte mCdica e o mitodo<br />
do empirismo positivo em aplicaqiio, como<br />
descrigiio sistematica e ordena<strong>da</strong> de varias<br />
doengas - unicos elementos sobre os quais<br />
podia basear-se a arte mCdica.<br />
Essa imponente obra C to<strong>da</strong> perpassa-<br />
<strong>da</strong> por aquele espirito que, como j6 se ob-<br />
servou justamente, esta condensado no prin-<br />
cipio com que se abre a cClebre coletinea de<br />
Aforismos: "A vi<strong>da</strong> 6 breve, a arte C longa,<br />
a ocasiiio fugaz, o experiment0 arriscado, o<br />
juizo dificil."<br />
Por fim, devemos recor<strong>da</strong>r que Hi-<br />
pocrates codificou a "prognose", que, como<br />
ji se observou, representa no context0 hi-<br />
pocratico "uma sintese de passado, presen-<br />
te e futuro": somente no arc0 <strong>da</strong> visio do<br />
passado, do presente e do futuro do doente<br />
C que o mCdico pode projetar a terapia per-<br />
feita.<br />
Hi~ocrates<br />
e sua Escola nio se limita-<br />
ram a <strong>da</strong>r B medicina o estatuto teoritico<br />
de ciincia, mas tambCm chegaram a deter-<br />
minar com lucidez ver<strong>da</strong>deiramente impres-<br />
sionante a estatura btica do midico, o ethos<br />
ou identi<strong>da</strong>de moral que deve caracteriza-<br />
lo. A parte o pano de fundo social bem visi-<br />
vel no comportamento expressamente te-<br />
matizado (antigamente, a citncia mCdica<br />
passava de pai para filho, relagio que Hip6<br />
crates identifica com a existente entre mes-<br />
tre e discipulo), o sentido do juramento se<br />
resume numa proposta simples que, em ter-<br />
mos modernos, poderiamos expressar assim:<br />
mCdico, lembra-te de que o doente nio C<br />
uma coisa ou um meio, mas um fim, um<br />
valor, e portanto comporta-te conseqiiente-<br />
mente.<br />
Eis o juramento integral: "Por Apolo<br />
midico, por Esculipio, por Higiia, por Pa-<br />
nacCia e por todos os deuses e deusas, invo-<br />
cando-os como testemunhas, juro manter<br />
este juramento e este pacto escrito, segundo rni-<br />
nhas forgas e meu juizo. Considerarei quem<br />
me ensinou esta arte como a meus pr6prios<br />
pais, porei meus bens em comum com ele e,<br />
quando tiver necessi<strong>da</strong>de, o pagarei do meu<br />
dCbito e considerarei seus descendentes co-<br />
mo meus proprios irmios, ensinando-lhes<br />
esta arte, se desejarem aprendi-la, sem compen-<br />
saqdes nem compromissos escritos. Trans-<br />
mitirei os ensinamentos escritos e verbais e<br />
to<strong>da</strong> outra parte do saber a meus filhos, bem<br />
como aos filhos de meu mestre e aos alunos<br />
que subscreveram o pacto e juraram segun-<br />
do o uso mCdico, mas a mais ninguCm. Va-<br />
ler-me-ei do regimento para aju<strong>da</strong>r os doen-<br />
tes, segundo minhas forgas e meu juizo, mas<br />
me absterei de causar <strong>da</strong>no e injustiqa. Niio<br />
<strong>da</strong>rei a ninguCm nenhum preparado mor-<br />
tal, nem mesmo se me for pedido, e nunca<br />
<strong>da</strong>rei tal conselho; tambCm nio <strong>da</strong>rei is<br />
mulheres pessarios para provocar aborto.<br />
Preservarei minha vi<strong>da</strong> e minha arte puras e<br />
santas. N5o operarei nem mesmo quem so-<br />
fre do 'ma1 <strong>da</strong> pedra', deixando o lugar para<br />
homens especialistas nessa pratica. Em to-