História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
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menos, um saber constituido por determinados<br />
conteudos. Mas, <strong>da</strong> mesma forma que<br />
a mulher que esti grivi<strong>da</strong> no corpo tem necessi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> parteira para <strong>da</strong>r a luz, tambCm<br />
o discipulo que tem a alma gravi<strong>da</strong> de ver<strong>da</strong>de<br />
tem necessi<strong>da</strong>de de urna esptcie de arte<br />
obste'trica espiritual, que ajude essa ver<strong>da</strong>de<br />
a vir i luz, e essa 6 exatamente a "maicutica"<br />
socritica.<br />
Durante muito tempo, considerou-se<br />
que Socrates, com seu mkodo, descobrira<br />
os principios fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> logica do Oci-<br />
dente, ou seja, o conceito, a indu@o e a te'c-<br />
nica do raciocinio. Hoje, entretanto, os es-<br />
tudiosos mostram-se muito mais cautelosos.<br />
Socrates p8s em movimento o processo que<br />
levaria i descoberta <strong>da</strong> 16gica, contribuin-<br />
do de mod0 determinante para essa desco-<br />
berta, mas ele pr6prio n5o a alcanqou de<br />
mod0 reflexo e sistematico.<br />
A pergunta "o que C?", com que So-<br />
crates martelava seus interlocutores, como<br />
hoje se vai reconhecendo sempre mais no<br />
plano dos estudos especializados, niio im-<br />
plicava ja um ganho do conceito universal<br />
com to<strong>da</strong>s as impkaqdes logicas que este<br />
pressupde. Efetivamente, com sua pergun-<br />
ta, ele queria per em movimento todo o<br />
processo ir6nico-maihtico, sem querer em<br />
absoluto chegar a definiqoes logicas. S6cra-<br />
tes abriu o caminho que deveria levar 2 des-<br />
coberta do conceito e <strong>da</strong> definiqiio e, antes<br />
ain<strong>da</strong>, a descoberta <strong>da</strong> essencia platijnica,<br />
e exerceu tambCm notivel impulso nessa<br />
direqiio, mas niio estabeleceu a estrutura do<br />
conceito e <strong>da</strong> definiqiio, visto que lhe falta-<br />
vam muitos dos instrumentos necessaries<br />
para esse objetivo, e estes, como dissemos,<br />
foram descobertas posteriores (plat8nicas e<br />
aristotClicas).<br />
A mesma observaqiio vale a proposito<br />
<strong>da</strong> indusio, que Socrates, sem duvi<strong>da</strong>, apli-<br />
cou amplamente, com o seu constante levar<br />
o interlocutor do caso particular a noqzo<br />
geral, valendo-se sobretudo de exemplos e<br />
analogias, mas que n50 identificou em nivel<br />
teoritico e, portanto, niio teorizou de mod0<br />
reflexo. De resto, a express50 "raciocinio<br />
indutivo" niio s6 n5o C socritica, mas, pro-<br />
priamente, nem mesmo plat6nica: ela i ti-<br />
Capitulo quarto - S6crates e os Socrtrticos menores<br />
picamente aristotilica, pressupondo to<strong>da</strong>s<br />
as aquisiqdes dos Analiticos.<br />
Em conclusiio, Socrates foi de um for-<br />
mi<strong>da</strong>vel engenho 16gic0, mas, em primeira<br />
pessoa, niio chegou a elaborar urna 16gica<br />
em nivel tCcnico. Em sua dialCtica encon-<br />
tramos os germes de futuras descobertas<br />
logicas importantes, mas niio descobertas<br />
16gicas enquanto tais, conscientemente for-<br />
mula<strong>da</strong>s e tecnicamente elabora<strong>da</strong>s.<br />
E assim se explicam os motivos pelos<br />
quais as diferentes Escolas socriticas enca-<br />
minharam-se para direqdes tiio diversas: al-<br />
guns seguidores concentraram-se exclusiva-<br />
mente nas finali<strong>da</strong>des Cticas, desprezando as<br />
implicaqdes logicas; outros, como Plat50,<br />
desenvolveram exatamente as implicaqdes<br />
logicas e ontol6gicas; ji outros escavaram<br />
no aspect0 dialktico atC mesmo as nervuras<br />
eristicas, como veremos.<br />
0 discurso de Socrates trouxe urna sCrie<br />
de aquisiqdes e novi<strong>da</strong>des, mas tambCm<br />
deixou em aberto urna sCrie de problemas.<br />
Em primeiro lugar, seu discurso sobre<br />
a alma, que se limitava a determinar a obra<br />
e a funq5o <strong>da</strong> propria alma (a alma i aquilo<br />
pel0 qua1 nos somos bons ou maus), exigia<br />
urna sCrie de aprofun<strong>da</strong>mentos: se ela se serve<br />
do corpo e o domina, isso quer dizer que<br />
e' outra coisa que niio o corpo, ou seja, distingue-se<br />
dele ontologicamente. Sendo assim,<br />
o que C? Qual i o seu "ser"? Qual a<br />
sua diferen~a em relaqio ao corpo?<br />
Analogo discurso deve ser feito em relaqiio<br />
a Deus. Socrates conseguiu "desfisiciza-lo":<br />
o seu Deus C bem mais puro do que<br />
o ar-pensamento de Di6genes de Apol8nia<br />
e, em geral, coloca-se decidi<strong>da</strong>mente acima<br />
do horizonte dos Fisicos. Mas o que 6 essa<br />
Divina Intelighcia? Em que se distingue dos<br />
elementos fisicos?<br />
TambCm a ilimita<strong>da</strong> confian~a socrhtica<br />
no saber, no logos em geral (e n5o no seu<br />
conteudo particular), foi duramente abala<strong>da</strong><br />
pelo txito problematico <strong>da</strong> maicutica.<br />
Em ultima analise, o logos socritico n5o esta<br />
em condiqoes de fazer qualquer alma parir,<br />
mas apenas as almas grivi<strong>da</strong>s. Trata-se<br />
de urna confissiio cheia de multiplas implicaqdes,<br />
que Socrates, porCm, niio sabe e n5o<br />
pode explicitar: o logos e o instrumento