História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
História da Filosofia – Volume 1 - Charlezine
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Sexta parte - As esrolas filos6ficas <strong>da</strong> era helrnfsticu<br />
cia nesse momento foi a especializa~iio,<br />
persegui<strong>da</strong> sem a necessi<strong>da</strong>de de elabora-<br />
qiio de uma base filosofica; ao contrario,<br />
pondo explicitamente essa base entre pa-<br />
rtnteses.<br />
To<strong>da</strong>via, ha outro ponto importante a<br />
destacar. A citncia especializa<strong>da</strong> de Alexan-<br />
dria niio apenas se libertou dos preconcei-<br />
tos religiosos e dos dogmas filosoficos, mas<br />
pretendeu assumir identi<strong>da</strong>de aut6noma<br />
propria tambim em relaqiio a "ticnica",<br />
com a qual, ao invis, se f6ssemos julgar com<br />
a mentali<strong>da</strong>de de hoje, pareceria natural es-<br />
tabelecer uma alianqa.<br />
A citncia helenistica desenvolveu o as-<br />
pecto te6rico <strong>da</strong>s citncias particulares, mas<br />
apenas isso, desprezando o momento aplica-<br />
tivo-tkcnico em sentido moderno. A menta-<br />
li<strong>da</strong>de tecnol6gica i o que de mais distante<br />
se possa pensar <strong>da</strong> ciincia antiga. Costuma-<br />
se citar a atitude de Arquimedes em relaqiio<br />
as suas proprias descobertas no campo <strong>da</strong><br />
mecsnica, que ele interpretava, se niio como<br />
distraqiio, certamente como momento mar-<br />
ginal de sua ver<strong>da</strong>deira ativi<strong>da</strong>de, que era a<br />
de matematico puro.<br />
Muita gente se perguntou o porqut<br />
desse fato que hoje nos parece tao pouco<br />
natural. No mais <strong>da</strong>s vezes, buscou-se a res-<br />
posta nas condiqoes socioecon6micas do<br />
mundo antigo: o escravo estava no lugar <strong>da</strong><br />
miquina, raziio pela qual o senhor niio ti-<br />
nha necessi<strong>da</strong>de de aparelhos especiais para<br />
evitar esforqos ou resolver problemas prati-<br />
cos. Ademais, como somente uma minoria<br />
se beneficiava do bem-estar, niio havia ne-<br />
cessi<strong>da</strong>de de desfrute intensivo, nem <strong>da</strong> pro-<br />
duqiio agricola nem <strong>da</strong> artesanal. Em suma:<br />
a escravidiio e a discriminaqiio social seriam<br />
o pano de fundo que torna compreensivel a<br />
falta de necessi<strong>da</strong>de de maquinas. A propo-<br />
sito, recorde-se a distin~iio<br />
de Varriio entre<br />
trts tipos de instrumentos:<br />
a) os "falantes" (os escravos);<br />
b) os "falantes pela metade" (os bois);<br />
C) os "mudos" (os instrumentos me&-<br />
nicos).<br />
Arist6teles chegara ati a teorizar isso:<br />
"nas ticnicas o operario esta na categoria<br />
dos instrumentos", e "o escravo i urna pro-<br />
prie<strong>da</strong>de anima<strong>da</strong> e todo operh-io C como<br />
um instrumento, que precede e condiciona<br />
os outros instrumentos". Tudo isso, sem<br />
duvi<strong>da</strong>, i fun<strong>da</strong>mental para explicar os fe-<br />
nBmenos que estamos estu<strong>da</strong>ndo.<br />
0 ponto chave, porim, C outro: a citn-<br />
cia helenistica foi o que foi porque, embora<br />
mu<strong>da</strong>ndo o objeto <strong>da</strong> investigaqiio em rela-<br />
qiio a filosofia (concentrando-se nas "partes"<br />
ao invis de no "todo"), manteue o espirito <strong>da</strong><br />
velha filosofia, o espirito "contemplativo"<br />
que os gregos chamavam de "teoritico".<br />
0 espirito do velho Tales, que, como se<br />
conta, caiu no fosso enquanto caminhava a<br />
contemplar o ciu, e que Platiio apresentava<br />
como simbolo do mais autintico espirito teo-<br />
rCtico, encontra-se inteiramente em Arqui-<br />
medes, naquela sua adverttncia superior:<br />
"Noli turbare circulos meos ", dirigi<strong>da</strong> ao sol-<br />
<strong>da</strong>do romano que estava para mata-lo, bem<br />
como naquele seu entusiasmado "e'ureka!".<br />
Encontra-se tambim naquela historieta se-<br />
gundo a qua1 Euclides, instado por alguim<br />
a explicar-lhe para que servia a sua geome-<br />
tria, como resposta deu-lhe dinheiro, uma<br />
espicie de esmola, como se <strong>da</strong> a um mendi-<br />
go. E o proprio Ptolomeu apresentara sua<br />
astronomia como a ver<strong>da</strong>deira cihcia no<br />
sentido <strong>da</strong> antiga filosofia, ao passo que<br />
Galeno dira que, para ser tal, o otimo midi-<br />
co devera ser filosofo.<br />
Em suma, a citncia grega foi anima<strong>da</strong><br />
precisamente por aquela forca "teoritico-<br />
contemplativa", ou seja, aquela forqa que<br />
impelia a considerar as coisas visiveis como<br />
abertura atravis <strong>da</strong> qual se acede ao invisi-<br />
vel, coisa que a mentali<strong>da</strong>de "pragmatico-<br />
tecnologica" moderna parece ter dissolvido<br />
ou, pelo menos, marginalizado.