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A história da loucura na idade clássica

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viu acerta<strong>da</strong>mente que to<strong>da</strong> <strong>loucura</strong> se enraíza em alguma<br />

sexuali<strong>da</strong>de perturba<strong>da</strong>; mas isto só tem sentido <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que<br />

nossa cultura, por uma escolha que caracteriza seu Classicismo,<br />

colocou a sexuali<strong>da</strong>de <strong>na</strong> linha divisória do desatino. Em todos os<br />

tempos, e provavelmente em to<strong>da</strong>s as culturas, a sexuali<strong>da</strong>de foi<br />

integra<strong>da</strong> num sistema de coações; mas é ape<strong>na</strong>s no nosso, e em<br />

<strong>da</strong>ta relativamente recente, que ela foi dividi<strong>da</strong> de um modo tão<br />

rigoroso entre a Razão e o Desatino, e logo, por via de conseqüência<br />

e degra<strong>da</strong>ção, entre a saúde e a doença, o normal e o anormal.<br />

Sempre dentro dessas categorias <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de, seria<br />

necessário acrescentar tudo o que diz respeito à prostituição e à<br />

devassidão. É nesses dois campos que se recruta, <strong>na</strong> França, o<br />

povinho miúdo dos hospitais gerais. Como explica Delamare, em seu<br />

Traité de la Police,<br />

era preciso um remédio poderoso para livrar o público dessa corrupção, e não<br />

se pôde encontrar coisa melhor, mais rápi<strong>da</strong> e mais segura que uma casa de<br />

força para ali fechá-los e fazê-los viver sob uma discipli<strong>na</strong> proporcio<strong>na</strong>l a seus<br />

sexos, i<strong>da</strong>des e faltas 23 .<br />

O tenente de polícia tem o direito absoluto de prender sem<br />

processo to<strong>da</strong> pessoa que se entrega à devassidão pública, até que<br />

intervenha a sentença do Châtelet, então sem recurso 24 . Mas to<strong>da</strong>s<br />

essas medi<strong>da</strong>s só são toma<strong>da</strong>s se o escân<strong>da</strong>lo é público ou se o<br />

interesse <strong>da</strong>s famílias corre o risco de ver-se comprometido; trata-se<br />

antes de mais <strong>na</strong><strong>da</strong> de evitar que o patrimônio seja dilapi<strong>da</strong>do, ou<br />

que passe para mãos indig<strong>na</strong>s 25 . Num certo sentido, o inter<strong>na</strong>mento<br />

e todo o regime policial que o envolve servem para controlar uma<br />

certa ordem <strong>na</strong> estrutura familiar, que vale ao mesmo tempo como<br />

regra social e norma <strong>da</strong> razão 26 . A família, com suas exigências,<br />

tor<strong>na</strong>-se um dos critérios essenciais <strong>da</strong> razão; e é ela, sobretudo, que<br />

pede e obtém o inter<strong>na</strong>mento.<br />

23 DELAMARE, Traite de la Police, I, p. 527.<br />

24 A partir de 1715, pode-se apelar para o Parlamento <strong>da</strong>s sentenças do tenente de<br />

polícia; mas esta possibili<strong>da</strong>de foi sempre muito teórica.<br />

25 Por exemplo, inter<strong>na</strong>-se uma tal Loriot porque «o infeliz Chartier quase<br />

abandonou sua mulher, sua família e seu dever a fim de se entregar<br />

inteiramente a essa infeliz criatura que já lhe custou a maior parte de seus<br />

bens» (Notes de R. d'Argenson, Paris, 1866, p. 3).<br />

26 O irmão do bispo de Chartres é inter<strong>na</strong>do em Saint-Lazare: «Seu espírito era de<br />

um caráter tão baixo, e havia <strong>na</strong>scido com incli<strong>na</strong>ções tão indig<strong>na</strong>s de seu<br />

<strong>na</strong>scimento, que se podia esperar pelo pior. Ele queria, diz-se, casar com a<br />

ama do senhor seu irmão» (B.N., Clairambault, 986).<br />

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